Sem monitoramento público, Porto Alegre sofre com alta poluição do ar

Sem monitoramento público, Porto Alegre sofre com alta poluição do ar

No Dia Mundial do Meio Ambiente, saiba porque não há estações de fiscalização da qualidade do ar na Capital

Felipe Faleiro

Porto Alegre tem 900 mil veículos, a 10ª maior frota do Brasil, que contribuem para a poluição

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Uma pluma cinzenta e espessa flutua acima do horizonte da mancha urbana, mais visível no amanhecer de dias frios e claros. A poluição atmosférica penetra invisível nos pulmões, podendo causar, a longo prazo, doenças cardiovasculares, derrame, doença pulmonar obstrutiva crônica e câncer de pulmão. Embora seja uma das capitais mais arborizadas do país, Porto Alegre, por meio do poder público, não sabe a qualidade do ar que a população respira, por não haver estações públicas de monitoramento, acendendo o alerta neste Dia Mundial do Meio Ambiente, que, em 2023, celebra 50 anos.

Ao redor da Capital, o que há são equipamentos mantidos em grande parte pela iniciativa privada, como nos municípios de Guaíba, gerenciada pela CMPC, Canoas (Parque Universitário) e Esteio (Parque de Exposições Assis Brasil), ambas sob responsabilidade da Refinaria Alberto Pasqualini (Refap), além de Triunfo, pertencente à Braskem, e Gravataí, doada pela GM à Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). Além destas na Região Metropolitana, há também uma em Rio Grande, no sul gaúcho, mantida pelo porto e prefeitura locais.

Todas estas compõem a chamada Rede Ar do Sul, cuja operação iniciou em dezembro de 2001, por meio do Projeto Pró-Guaíba. Na época, havia 15 destas estações. “Havia uma rede datada dos anos 1990, só que, de lá para cá, foi sucateando, e foram sendo agregadas estas estações privadas. A rede em si é muito mais privada do que pública”, afirma o engenheiro químico Eduardo Rodrigo Ramos de Santana, que atua na Fepam e é doutor em Engenharia de Minas, Metalúrgica e Materiais pela UFRGS. A alta dependência do automóvel e falta de mecanismos para mobilidade urbana sustentável também preocupam.

Em dezembro de 2022, a Capital tinha a 10ª maior frota entre os municípios do país, com 900 mil veículos, segundo a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), e que compõem grande parte da fumaça emitida em Porto Alegre, segundo Santana, ainda que a poluição “já foi pior no passado”, segundo ele. A cidade chegou a ter oito das 15 estações de monitoramento mantidas pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), nos bairros Centro Histórico (Largo Edgar Köetz e avenida Borges de Medeiros com Salgado Filho), Santa Cecília (Silva Só), Jardim Botânico (ESEF e INMET), São João (avenida Benjamin Constant com Dom Pedro II), Anchieta (Ceasa) e Azenha (Av. Azenha).

Por abandono da rede em 2010, segundo artigo do professor Markus Erwin Brose, da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), o número caiu para três: Santa Cecília, Largo Edgar Koëtz e Esefid. Hoje, não há nenhum. Como alternativa, Markus afirmou que “houve debate público, nos anos 2011/12, mas a Assembleia Legislativa engavetou o projeto de lei e a inspeção veicular não foi adotada”. A falta de monitoramento é reconhecida tanto pela Smamus, que não administra mais a rede, quanto pela Fepam.

Em última análise, o órgão público depende dos entes privados para o controle de dados e consequentes políticas públicas. “Temos projeções de modelos que nos indicam cenários para horas e dias de qualidade do ar, mas são estimativas futuras por computador. Nada substitui as medições em tempo real que são precisas e poderiam aferir as projeções de modelos”, diz a meteorologista Estael Sias, da MetSul, para quem a qualidade do ar é a maior lacuna de informação ambiental atmosférica existente no RS.

“Precisamos para ontem aumentar e muito o monitoramento da qualidade do ar no estado, em especial na Grande Porto Alegre, sobretudo com medições que forneçam dados em tempo real de PM2,5 (ou partículas finas), que são partículas em suspensão com um diâmetro inferior a 2,5 micrômetros”, enfatiza Estael. Já a empresa baseada na Suíça IQAir, que mantém estações privadas em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), afirmam que a concentração de PM2,5 na Capital gaúcha é 4,8 vezes maior do que a diretriz anual de qualidade do ar estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Dias frios e com neblina mantêm concentrados poluentes próximos à superfície (Créditos: Maria Eduarda Fortes)

 

 

A promotora de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre, Annelise Steigleder, reforça que é preciso ter mais estações de fiscalização. “Seria muito recomendável [ter os equipamentos], porque o Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa de Porto Alegre indica esta necessidade de monitoramento”, comenta a promotora. Há também um inquérito civil em andamento na 2ª Promotoria de Justiça do Meio Ambiente do Ministério Público do RS (MPRS) quanto à instalação de estações na Região Metropolitana por parte da Fepam.

O problema também ocorre em âmbito federal. A UFRGS tem em Porto Alegre um Laboratório de Meteorologia e Qualidade do Ar (LMQA), mas, segundo a professora Rita de Cássia Marques Alves, coordenadora do local, o sensor instalado na área portuária só é utilizado para pesquisas acadêmicas. Estudo de 2021 mostrou que 80% das estações de monitoramento da qualidade do ar do país estão na região Sudeste, e a Rede Nacional de Qualidade do Ar encontra-se “incompleta, e insuficientemente implantada, inviabilizando uma adequada gestão da qualidade do ar pelos órgãos ambientais”. Só cinco Estados disponibilizam dados de monitoramento em tempo real à população; o RS, que começou a monitorar ainda em 1981, não é um deles.

Dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima mostram que Porto Alegre emitiu, em 2019, 2.417 toneladas de dióxido de carbono equivalente (tCO2e), queda de 2,1% sobre o ano anterior, quando foram 2.454. Dois terços são do setor de energia, e 86,3% destes são do subsetor de transportes. Praticamente o restante, 32%, são de resíduos, cujo percentual vem avançando ano a ano desde 2000. Naquele ano, foram 443 tCO2e do segmento, contra 761 tCO2e em 2019. Ainda assim, as emissões atribuídas a Porto Alegre foram menores do que outras capitais mesmo com menor população, como Campo Grande e Macapá. 

No mundo, estima-se que 7 milhões de pessoas morram por ano por conta da poluição do ar, das quais 650 mil são crianças, diz a ONU, e 99% da população global respira ar que ultrapassa a diretriz da organização. No Brasil, isto afeta 85,6% dos habitantes, ou mais de 173 milhões de pessoas, com maior prejuízo às pessoas entre 20 e 39 anos. “A necessidade de agir é urgente”, pontua a ONU, em comunicado. Há diversos estudos acadêmicos que mostram os efeitos da má qualidade do ar, na contramão da redução ao longo do tempo no número de equipamentos que monitorem em tempo real estes parâmetros.

Enquanto isso, a Fepam mantém o boletim da qualidade do ar diário, monitorando os índices de dióxido de enxofre (SO2), partículas inaláveis menores do que 10 micrômetros (PM10), ozônio (O3), dióxido de nitrogênio (NO2) e monóxido de carbono (CO), todas substâncias nocivas à saúde. Na quarta-feira, a classificação da qualidade do ar (IQAr) foi considerada boa, considerando a média destes poluentes, em Esteio, Canoas, Guaíba e Rio Grande, cujos dados são públicos. 

Já 90,3% dos dias de 2022 foram de IQAr bom, levando em conta as seis estações monitoradas a longo prazo no RS. “Não houve registros de qualidade ‘inadequada’ ou pior no ano de 2022”, observa o relatório técnico de monitoramento da Fepam relativo ao período. Os locais mais suscetíveis à poluição atmosférica na cidade são o Centro Histórico, várzeas do rio Gravataí e do arroio Dilúvio, “áreas de movimentação quase constante de carros e ônibus, com grande circulação de pessoas, visto que unem vários pontos da cidade e região metropolitana”, afirma a obra Rio Grande do Sul: paisagens e territórios em transformação, publicado pela Ufrgs em 2004. 

Outro artigo publicado por pesquisadores em 2019 na Revista Brasileira de Meteorologia mostrou que somente 60% do CO emitido sobre Porto Alegre é de fato proveniente da cidade, com os restantes 40% disperso nas cidades ao norte da Região Metropolitana. A falta de monitoramento da qualidade do ar prejudica também a previsão meteorológica, diz a MetSul. “Temos projeções que nos indicam cenários para horas e dias de qualidade do ar, mas são estimativas futuras por computador. Nada substitui as medições em tempo real que são precisas e poderiam aferir as projeções de modelos”, explica Estael.

Procurada, a Fepam afirmou que existe um projeto de ampliação da atual rede para contemplar Porto Alegre, Caxias do Sul e Santa Maria, e que as verbas virão do programa Avançar na Sustentabilidade. A licitação está prevista para acontecer no segundo semestre de 2023. Antes disto, em 2021, o Rio Grande do Sul e Porto Alegre assinaram, na COP26, na Escócia, documentos para adesão à campanha global Race to Zero, que pretende reduzir a zero as emissões de gases de efeito estufa até 2050.

Mantenedora da estação de Triunfo, a Braskem afirma que conseguiu reduzir em 17% as emissões de CO2 nos últimos 13 anos, o que deve refletir, nas palavras da companhia, no atingimento da meta intermediária de eliminar em 15% a emissão de gases do efeito estufa até 2030. Até este ano, a empresa pretende implantar todas as ações definidas em estudo de 2014 sobre oportunidades e riscos climáticos. Entre outras iniciativas, a planta da Região Metropolitana produz a resina renovável I'm green, que captura CO2 da atmosfera, a partir de eteno verde. Energia solar e uso de matrizes limpas em sua operação também estão no portfólio da Braskem.

Uso e estoque da água no Brasil são divulgados

Ainda alusivo ao Dia Mundial do Meio Ambiente, outro recurso natural do país também teve levantamento publicado recentemente. Na última sexta-feira, o IBGE divulgou as Contas Econômicas Ambientais da Água: Brasil - 2018 a 2020, estudo realizado em parceria com a Agência Nacional de Águas (ANA). Conforme o levantamento, foram gastos R$ 74,5 bilhões em produção de água de distribuição e serviços de esgoto no país, e houve o consumo de 6,2 litros de água para cada R$ 1 no valor adicionado bruto da economia nacional. 

Também o Brasil retirou do meio ambiente 4,1 trilhões de metros cúbicos (m³) de água pelas atividades econômicas e pelas famílias, tanto para uso próprio como para distribuição. A maior parte deste montante foi para os setores de eletricidade e gás. O estoque do país, ou seja, águas disponíveis superficialmente, em aquíferos ou no solo, teve adição de 24,9 trilhões de litros, com maior recorrência das precipitações, enquanto saíram do território nacional 25,9 trilhões de litros, seja para o mar, outros países, captação ou evaporação.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895