Serviço de cuidados paliativos do Hospital Divina, em Porto Alegre, é referência em cuidado

Serviço de cuidados paliativos do Hospital Divina, em Porto Alegre, é referência em cuidado

Amenizar o sofrimento e proporcionar carinho ao paciente e seus familiares são os principais objetivos da equipe

Felipe Faleiro

Parte da equipe do Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital Divina, em Porto Alegre

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Prolongar a vida de forma digna e aplacar o sofrimento são definições adequadas para o que a equipe de cuidados paliativos do Hospital Divina, em Porto Alegre, busca diariamente realizar para com seus pacientes. O carinho e cuidado por meio de gestos simples elevam o espírito de pessoas internadas e seus familiares, fazendo com que a experiência de pessoas que, muitas vezes, não têm uma longa expectativa de vivência pela frente, seja a mais amorosa possível. Um time multidisciplinar é responsável por proporcionar este acolhimento. 

Embora o ambiente hospitalar possa ser penoso aos internados por doenças graves e sem chances de cura, estes profissionais pavimentam o caminho para a mais tranquila e personalizada experiência possível. “Os cuidados paliativos têm foco na qualidade, sem sofrimento”, comenta o coordenador da equipe, o médico hospitalista Diego Millán Menegotto. “Eles são focados em condições crônicas, irreversíveis, como cânceres avançados, que podem acabar com o óbito em algum momento. Mas pode haver anos de vida ainda, e ela pode ser com qualidade”, reforça.

Em uma roda de conversa na semana passada envolvendo grande parte dos profissionais que participam do grupo, eles explicaram que, por exemplo, quem faz uso dos cuidados paliativos não deixa de realizar os outros tratamentos. “Não vamos lá para curar aquele câncer, mas sim para atuar nos sintomas daquele paciente. Nem sempre eles são físicos. Pode haver um sofrimento espiritual, e, independentemente disto, vamos atender também”, comenta o gerente médico do Hospital Divina, Maurício Menna Barreto.

Tudo começou em 2014, explica Barreto, quando o hospital iniciou o projeto de Medicina Hospitalar, na qual Menegotto foi um dos pioneiros. No início com três profissionais, hoje são oito, que atuam o tempo inteiro dentro do Divina, identificando necessidades dos pacientes. “Isto fomentou, inclusive, um programa de residência médica”, afirma ele. A equipe, então, identificou que a média de idade dos pacientes operados era de 61 anos, ou seja, era necessário um “time mais robusto” para atender a este perfil de idade mais avançada. “Injetamos uma sementinha do Serviço de Cuidados Paliativos, começando a desenvolver o treinamento das pessoas”, prossegue Barreto, que também é geriatra.

O serviço em si iniciou três anos mais tarde, quando nasceu o primeiro serviço de interconsulta. Gradualmente, os times da Enfermagem e Psicologia foram agregados, e os demais foram somados aos poucos. Atualmente, ela é também composta pela nutricionista Chayene Hanel Lopes, a farmacêutica Louise Altknecht, a fonoaudióloga Camila Etges, a assistente social Nelci Terezinha Tolotti, a dentista Fabiola Franco Locatelli, a fisioterapeuta Débora Carneiro dos Santos, a enfermeira Márcia Andréia Campos, a psicóloga Gabriela Maria Alessio e a assistente espiritual Daiana Oliveira Alves, ainda que todos não sejam integralmente dedicados ao projeto enquanto atuam no Divina. 

“Cada um aqui entrega um pedacinho da sua jornada de trabalho em prol disso”, pontua o gerente médico. Exemplos de pacientes beneficiados pelo projeto são inúmeros. No último dia 20 de abril, o paciente Silvio Luis Santos, internado há 35 dias, foi surpreendido com a visita de seu cão Luke. Em vídeo publicado nas redes sociais da Rede de Saúde Divina Providência, ele conta que era a única companhia do cãozinho, após a morte recente do companheiro de Luke, o shih-tzu Quick. 

Nos comentários, o ato de humanização foi parabenizado por usuários. Dentro de muitos cuidados e autorizações clínicas, é permitido aos pacientes inclusive saborear certos alimentos que não seriam possíveis em outros momentos da internação. “Um deles queria massa com salsicha. Quando voltou o prato vazio, senti que era isto o que ele queria. Aos olhos de outras pessoas, pode ser qualquer coisa, mas, para ele, era um prato espetacular”, conta Chayene.

"Ela ficou serena até o fim", diz filha de idosa tratada pelo serviço

Perder a mãe, Regina de Oliveira Nascimento, em 8 de agosto de 2022, foi uma experiência terrível para a assistente social Iêda Maria Nascimento, moradora do bairro Bela Vista. No entanto, a atenuação do sofrimento veio com a certeza de que a vida foi muito bem vivida pela idosa até os últimos dias. “Ela ficou serena até o fim. Não precisou de tubos, sonda, oxigênio, apenas um adesivo para a dor. Posso dizer que ela teve uma morte natural, no tempo dela. Não prolongou, nem antecipou. Houve, sim, um sofrimento emocional nosso, mas fomos muito bem acolhidos pela Psicologia”, conta Iêda, que utilizou dos serviços de cuidados paliativos do hospital.

“Os profissionais do Divina dão muita importância para a biografia do paciente, bem como da família. Conversei com o dr. Diego, e ele, com outros médicos da equipe assumiram este cuidado conosco. A partir dali, tive toda esta assistência. Eles visitavam minha mãe diariamente, e acompanhavam toda a evolução dela. Ela foi muito bem acolhida, portanto só tenho a agradecer à equipe”, prossegue. Dona Regina ficou internada por cerca de um mês no local.

Iêda e a mãe Regina, em foto no aniversário de 80 anos da idosa (Créditos: Arquivo pessoal)

Serviços de saúde ainda são pouco especializados na área 

Segundo Barreto, um estudo de 2019 da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) mostrou que apenas 5% dos hospitais brasileiros, tanto públicos quanto privados, têm este tipo de serviço, e, no Divina, a ideia é ampliar esta área. “Gostaríamos muito que houvesse mais cuidados paliativos em Porto Alegre. Outros hospitais da cidade têm bons serviços, e temos muito espaço para crescer aqui dentro”, diz ele. O Instituto Nacional do Câncer (Inca) reforça a necessidade deste aumento. 

O instituto estima que, em 2033, o número de pessoas acima de 65 anos de idade deva ultrapassar o de menores de 15 anos, invertendo a pirâmide etária brasileira. E em 2060, um quarto da população terá idade acima de 65. Menegotto diz que todas as ações realizadas no local são muito significativas. “Há toda uma equipe de suporte que torna isto possível”, afirma ele. “Comunicação é uma coisa muito difícil, e sobre terminalidade, é, às vezes, algo muito complexo”, relata a enfermeira Márcia Andréia Campos. 

“Enquanto equipe multidisciplinar, sentamos, conversamos e vemos a visão da família para fazê-los entender o que está acontecendo. Entendemos que o foco principal é o paciente para nós. É o nosso principal objetivo aqui dentro, cuidar da pessoa na sua essência, o que realmente faz sentido para ela e para a família”, prossegue ela. “Desmistificando um pouco daquele referencial do paliativismo como final de vida, entendemos que ele é um conceito bem mais amplo, de fornecê-lo com dignidade, conforto e qualidade. Se não puder ser feito na sua casa, então que o hospital seja a extensão dela para que isto seja feito”, diz o diretor técnico do Divina, Willian Dalprá.


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