Um mês após enchente histórica no Guaíba, moradores de Porto Alegre recordam angústias

Um mês após enchente histórica no Guaíba, moradores de Porto Alegre recordam angústias

Diretor-geral da Defesa Civil Municipal afirma que pronta resposta foi feita com "rapidez e sucesso"

Felipe Faleiro

Na Ilha da Pintada, residência de Rosane Vasconcellos ainda tem muitos entulhos no pátio

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Quando questionados, os moradores das ilhas de Porto Alegre costumavam comparar as cheias pelas quais haviam passado nos últimos anos com a histórica enchente de outubro de 2015. Na ocasião, o nível do Guaíba no Cais Mauá, no Centro Histórico, chegou a 2,97 metros. Isto mudou no último mês de setembro. No dia 27, a marca máxima de 3,18 metros foi alcançada no principal curso d’água da Capital, superando tanto a medida aferida há oito anos, quanto a de 1967, com 3,13 metros, entrando para a história como a segunda maior de todos os tempos na cidade.

Este dia, exatamente há um mês, vai ficar na memória de muitas pessoas por muito tempo, especialmente daqueles que tiveram suas casas alagadas, e em sua maioria apenas puderam assistir à destruição com certa impotência diante da calamidade. Naquela data, uma combinação indesejada do vento sul com o alto volume de chuvas em Porto Alegre e interior elevou rapidamente o fluxo dos afluentes do Guaíba, produzindo imagens há muito não vivenciadas na Capital, como a água tomando conta de todos os trechos da orla, inundando ruas e avenidas.

Em razão disto, por exemplo, o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) cerrou todas as comportas do cais temporariamente, reforçando o fechamento com sacos de areia, e praticamente isolando a cidade do Guaíba. No sul da Ilha da Pintada, um extenso trecho da avenida Nossa Senhora da Boa Viagem continua embaixo d’água, mesmo que não chova há dias, ou o vento sul, temido pelos pescadores pelo potencial de represar a água, se faça presente.

A enchente expôs um problema crônico da região mais ao sul da ilha, e até então invisível: a via em questão foi aterrada abaixo do nível do Guaíba, e, para estes moradores, só a medida menor da régua não resolve. Na Presidente Vargas, a família formada pelo casal Gerri Nardi e Rosane Vasconcellos é uma das que foi afetada pela sequência de tormentas. O veículo da família, um Fiat Palio, inundou até a altura dos faróis, e deixou de funcionar. A residência chegou a ficar dez dias sem energia elétrica.

Uma geladeira estragou, e hoje é utilizada como armário inclusive para produtos de limpeza, além do pátio ainda ter muitos entulhos espalhados, que vieram de outros lugares pela enchente. “Agora está mais tranquilo. Na verdade eu queria me mudar daqui, mas meu marido não quer”, comenta Rosane, que afirma ter nascido e se criado no Arquipélago. “A água entrou em casa oito vezes. Nunca vi algo assim”. A cozinha, os quartos e o banheiro na residência onde vive o casal, mais a filha deles e o irmão de Rosane, também ficaram embaixo d’água.

Dezenas de pessoas foram abrigadas pela Prefeitura em locais como escolas e igrejas. Para o coronel Evaldo Rodrigues de Oliveira Júnior, diretor-geral da Defesa Civil Municipal de Porto Alegre, o trabalho de pronta resposta foi feito com “rapidez e sucesso”. Ao todo, 162 pessoas foram resgatadas, e, apesar dos estragos, não houve mortes. “Temos a percepção de que isto foi devido à prontidão e agilidade dos agentes operacionais e das equipes de socorro”, disse ele.

“Além disto, o município agiu com muita eficiência elaborando o Programa Municipal de Recuperação Emergencial e Auxílio Humanitário, beneficiando os moradores prejudicados pelas enchentes de forma significativa, demonstrando um comprometimento essencial com o bem-estar da comunidade em situações de crise”. A Prefeitura investiu cerca de R$ 20 milhões no programa, e começou a pagar o benefício na metade de outubro.

A meteorologista Estael Sias, da MetSul Meteorologia, afirma que a cheia histórica do Guaíba foi resultado de eventos de chuva forte e volumosa afetando as bacias do Centro-Norte do Estado. O represamento gerado pelo vento sul também teve sua parcela de influência, segundo ela. “O Guaíba escoou de forma mais lenta e a Lagoa dos Patos subiu. Por trás de tudo isto, houve um El Niño intenso, que é o fator principal de todo este cenário de sucessivos eventos de chuva que têm afetado o Rio Grande do Sul”, explicou a meteorologista.


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