Justiça pede mais provas sobre participação de empresas na paralisação dos caminhoneiros

Justiça pede mais provas sobre participação de empresas na paralisação dos caminhoneiros

Ministério Público Federal entende transportadoras ameaçaram a categoria a parar

Flavia Bemfica

MPF investiga participação de empresas em greve dos caminhoneiros

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O desfecho de algumas das investigações sobre a participação de empresas no movimento dos caminhoneiros no Rio Grande do Sul tende a se estender e tem chances de acabar inconclusivo. Na quarta-feira, a 2ª Vara da Justiça Federal, em Canoas, solicitou que o Ministério Público Federal (MPF-RS) apresente mais provas de que as duas empresas tenham participado, de alguma forma, dos bloqueios realizados no entorno da Refinaria Alberto Pasqualini (Refap) e da BR Distribuidora, em Canoas. A suspeita é de que as entidades tenham induzido ou incentivado seus empregados a aderirem às paralisações, retardando a normalização do abastecimento.

O juiz Fábio Hassen Ismael determinou a intimação com urgência do MPF e, ainda, a intimação da Advocacia-Geral da União (AGU) para que seja incluída no processo. Ambos têm 15 dias para suas manifestações. Só após o prazo, o juízo examinará a liminar solicitada pelo MPF. Nesta quinta-feira, a greve dos caminhoneiros já se extinguiu na maior parte do País e se mostra próxima do fim no RS. A projeção do Gabinete de Crise é de os últimos focos de manifestações terminem ainda hoje.

No despacho expedido na quarta-feira, o juiz anotou “a ausência de qualquer documento dando conta que a empresa contratante dos serviços (BR Distribuidora) esteja, de algum modo, cobrando ou denunciando as contratadas, tendo, ao contrário, manifestação recente de uma das rés alegando que haveria reconhecimento de absoluta colaboração com a empresa.” O juízo observou ainda que a Justiça Federal não tem competência para proibir, limitar ou regrar as condutas do movimento grevista e dos empregadores, como havia sido requerido pelo MPF.

A ação do MPF

O Ministério Público Federal (MPF-RS) considerou ter obtido indícios suficientes de que o abastecimento nos postos de combustíveis do Estado, e principalmente em Porto Alegre e Região Metropolitana, poderia ter sido realizado em bem maior escala, evitando o fechamento de parte dos estabelecimentos e as filas quilométricas, caso houvesse colaboração das duas empresas responsáveis pelo transporte de combustíveis a partir da BR Distribuidora, em Canoas. A BR Distribuidora é vizinha e realiza a coleta de combustíveis na Refinaria Alberto Pasqualini (Refap) por meio de duas terceirizadas. Na noite de segunda-feira, 28, o MPF ajuizou ação na justiça federal contra ambas, a Empresa Transportes Dalçoquio e a Henrique Stefani Transporte e Logística.

Conforme o MPF, apesar de o movimento dos caminhoneiros ter tido suas solicitações atendidas e de haverem decisões tanto do Supremo Tribunal Federal (STF) como da justiça federal garantindo a livre circulação, o protesto no entorno da Refap e da BR Distribuidora impedia “a livre circulação de caminhões, especialmente daqueles que não desejam aderir ao movimento, afetando a entrega de combustíveis em todo o Estado.”

Os procuradores assinalaram que havia “impossibilidade da prática do transporte, muito mais efetiva, gerada pela negativa das empresas transportadoras do desempenho de suas atividades.” E argumentaram que não existia óbice ao abastecimento dos postos da região metropolitana de Porto Alegre. “Até pela proximidade e pelas características urbanas da área, não há bloqueios montados por manifestantes entre a BR Distribuidora e os municípios nessa região assentados. Desse modo, é necessário compelir as empresas apontadas à promoção da realização do transporte, por meio de seus empregados, cuja adesão à paralisação tem sido induzida e instigada pelos empregadores.”

Em função do término do movimento, algumas das principais solicitações do MPF na ação também se tornaram inócuas, entre elas a de determinação judicial para que as transportadoras voltassem a realizar o transporte de combustíveis nos moldes realizados anteriormente, e a suspensão imediata dos atos de protesto com participação de seus bens que impedissem a saída dos veículos destinados ao abastecimento.

O que dizem as empresas

Henrique Stefani Transporte e Logística

A transportadora já se manifestou espontaneamente nos autos da ação, afirmando que “não pratica qualquer ato que impeça o transporte de combustíveis e que está cooperando com a BR Distribuidora para a normalização do serviço, realizando sua atividade mediante escolta policial.” A Stefani também disponibilizou mails trocados com clientes durante a semana e vídeos e áudios gravados com motoristas da empresa tentando passar em bloqueios e sendo hostilizados durante as manifestações por ‘furarem’ a greve. O gerente de Segurança da Stefani, Paulo Mendes, é quem está se manifestando publicamente sobre o caso.

Na quarta-feira, Mendes informou que a empresa foi surpreendida pela ação do MPF porque, segundo ele, a Stefani atuou no sentido contrário, esforçando-se para sustentar os trabalhos, mantendo a disponibilidade dos veículos conforme o contratado durante todos os dias das manifestações, com 100% da frota, o estabelecimento de uma rotina conjunta com a Petrobras para as escoltas e a extensão de jornadas. “Naturalmente houve um impacto, com tantos bloqueios durante tantos dias. A empresa respeita o direito de greve, que é constitucional, mas não aderiu e não fez nenhum tipo de redução de capacidade por iniciativa própria. Jamais incentivaríamos isso, não colocaríamos nossos contratos em risco para aderir a algo com o qual não somos simpáticos”, esclarece.

Mendes citou ainda o caso de um veículo da empresa danificado com uma pedrada no para-brisa em Esteio, apesar da escolta policial, e de três caminhões que tiveram os pneus dianteiros furados e as mangueiras de ar cortadas quando chegavam ao aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. “Nossos motoristas foram muito hostilizados, aconteceram diversas situações de sinaleiras quebradas e para-lamas arrancados ao longo da semana. Além disso, já tínhamos prestado esclarecimentos à Polícia Federal, demonstrando com vídeos, áudios e mails como desempenhamos nosso trabalho durante as manifestações, então realmente lamentamos.”

Transporte Dalçoqui

No caso da Empresas Transporte Dalçoquio, que está em recuperação judicial e tem sede em Itajaí, os procuradores lembraram Emílio Dalçoquio Neto como “um dos grandes incentivadores da paralisação dos transportadores e dos atuais bloqueios promovidos em refinarias de petróleo pelo país e distribuidoras de combustíveis”, destacando sua participação em uma série de vídeos que circularam nas redes sociais durante os protestos. Ele é ex-diretor e filho do dono da empresa. Em um dos vídeos, Emílio fala que empresários brasileiros estão indo para o Paraguai porque lá não há comunismo e brada repetidamente “Viva Augusto Pinochet!!”. Em outro, ao microfone em cima de um caminhão, assegura: “Se algum caminhão da Dalçoquio tá andando por aí, pode tocar fogo, porque nós vamos apoiar. O governo não vai colocar a culpa nem nos transportadores e muito menos na Dalçoquio.”

No sábado, Emílio foi intimado a prestar depoimento à Polícia Federal em Santa Catarina. No domingo, a empresa divulgou uma nota oficial informando que “o que pensa ou não o Sr. Emílio não retrata os pensamentos e interesses da administração da empresa, até porque o Sr. Emílio Dalçoquio não ocupa assento na administração da organização, razão pela qual suas declarações são de cunho único e exclusivamente pessoal.” Na segunda-feira, o ex-diretor publicou um novo vídeo, em frente à Defesa Civil de Itajaí, assinalando que não faz parte da empresa desde março de 2015, e justificando que suas manifestações sobre colocar fogo nos caminhões ocorreram devido às ameaças que os caminhoneiros da empresa estavam sofrendo.

Na quarta-feira o Correio do Povo fez contato com a Dalçoquio, em Itajaí, sobre a ação do MPF. A informação foi de que a diretoria vai aguardar a intimação para se manifestar.

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