Sobrevivente da Kiss se emociona e precisa de atendimento médico durante o julgamento

Sobrevivente da Kiss se emociona e precisa de atendimento médico durante o julgamento

Jéssica Montardo Rosado perdeu o irmão de 26 anos na tragédia

Lucas Eliel

Vítima estava na boate no dia em que ocorreu a tragédia em Santa Maria

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*Com informações dos repórteres André Malinoski e Henrique Massaro

A sobrevivente Jéssica Montardo Rosado, de 33 anos, foi a segunda a depor nesta quinta-feira no julgamento do Caso Kiss. O depoimento da vítima foi carregado de bastante emoção e, por volta do meio-dia, ela precisou de atendimento médico no Foro Central de Porto Alegre. A situação obrigou o juiz Orlando Faccini Neto a fazer um intervalo maior na sessão. 

A vítima, que estava na Kiss no momento do incêndio, chorou várias vezes ao relembrar a morte do irmão, Vinícius Montardo Rosado, de 26 anos. Jéssica contou que o irmão conseguiu ajudar mais de dez pessoas a sair da boate. "Meu irmão é a melhor coisa que tive na vida, que tenho ainda", disse. "Ele tinha muitos amigos lá dentro. Ele jamais viraria as costas. Acho que no pensamento dele, eu ainda estava lá dentro. O Vinícius sempre foi solidário. Eu não perdi um irmão, eu ganhei um irmão por 26 anos. Ele jamais seria o mesmo se tivesse voltado pra casa", acrescentou.

Jéssica Montardo conseguiu se recompor e por volta de 12h40min retornou ao plenário para continuar com o depoimento. Mais cedo, a testemunha respondeu questionamentos do juiz e do Ministério Público. Segundo a depoente, nenhum segurança a ajudou sair do estabelecimento e os bombeiros chegaram quando ela já havia deixado o recinto. Para ela, clientes que sobreviveram ao incêndio e moradores próximos foram cruciais para minorar o número de pessoas mortas na tragédia. “Se não tivéssemos a ajuda de tantos civis naquela noite, o número de mortos na boate não seria 242, seria mais”, destacou.

Conforme a testemunha, não é possível saber com precisão quanto tempo durou entre o início do incêndio e a saída dela da boate Kiss. "Eu não sei se foi logo, quanto tempo passou desde que saí da boate. Não tinha noção que as pessoas iam morrer, que a gente não ia conseguir sair. Às vezes a gente se sente meio culpada porque as pessoas chegam e perguntam: como que tu conseguiu sair? Eu saí, não sei como explicar como eu saí. Eu simplesmente consegui sair da festa", enfatizou. 

Ao responder outros questionamentos, a testemunha contou que teve a impressão de ouvir algum integrante da banda Gurizada Fandangueira avisar as pessoas para sair da boate. Jéssica Montardo disse acreditar que o uso de sinalizador desencadeou o incêndio. De acordo com a testemunha, ela não chegou a visualizar o fogo, mas notou faíscas vindas a partir do manuseamento do artefato. Antes da noite da tragédia, ela disse não ter visto shows pirotécnicos na boate Kiss.

Conforme a testemunha, não é possível, no entanto, dizer com certeza como foi o trabalho dos seguranças de forma geral, levando em consideração a confusão no momento do incêndio. Ela detalhou que saiu um pouco depois da meia-noite de casa e não precisou esperar na fila da boate, que conforme a testemunha, estava dobrando a rua, porque conhecia um segurança da casa e acabou tendo acesso privilegiado ao estabelecimento. 

De acordo com a testemunha, era comum a superlotação da casa. "Eu não sei lhe precisar quantidade, mas ela tava com bastante gente (na noite da tragédia). No momento do incêndio, depois de ter saído de dentro da boate Kiss, a depoente confirmou a intenção de entrar novamente na casa para tentar salvar o familiar. "Eu acho que com certeza (retornei) por conta do meu irmão. Eu jamais me perdoaria por voltar pra casa sem ele como eu voltei. E eu queria ter feito mais, mas não tive força", disse.  

Segundo a vítima, eventualmente ela frequenta os mesmos lugares que o réu Luciano Bonilha. "A única pessoa que a gente tem contato (dentre os réus) é o Luciano, por trabalhar em eventos ainda. Conversamos, o tratamos como ser humano, como a gente trata todo mundo", pontuou. 

Últimas palavras do filho

O pai de Jéssica e Vinícius, Ogier Rosado, bastante emocionado, relembrou as últimas palavras do filho: "Meu filho, cuida dos teus amigos. E ele respondeu 'pode deixar'". Rosado ainda expressou indignação ao relembrar de outra tragédia. "Cinco anos depois, a mesma espuma que estava na Kiss, matou os jovens do CT do Flamengo e ela (espuma) continua sendo fabricada", disse. "Nós temos quatro réus culpados, mas temos muitos responsáveis. O sistema todo está errado neste país", completou. 

Primeiro depoente do dia

O primeiro sobrevivente a depor hoje, Emanuel Pastl, relatou não ter visto luzes de emergência, extintores e alarme de incêndio na boate. A testemunha contou que morava em Porto Alegre e aquela havia sido a primeira festa na qual ele tinha comparecido em Santa Maria, a convite do irmão, aluno na Universidade Federal do município. Conforme Pastl, eles estavam próximos do bar e da saída de emergência quando o incêndio começou. Inicialmente, acreditou ser um princípio de tumulto, mas logo percebeu a presença de fumaça cinza subindo. Antes das luzes e do som se desligarem, o grupo começou a se dirigir à porta.


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