A contundente vitória do presidente ultraliberal Javier Milei nas eleições legislativas de meio de mandato, com mais de 40% dos votos, surpreendeu o mercado e analistas, dado o duro ajuste de gastos, os boatos de desvalorização e a recente corrida cambial. Segundo eleitores e analistas, o apoio se deu pela combinação da queda da inflação, o medo do colapso financeiro e um forte repúdio ao peronismo.
Juan Salvatori, funcionário administrativo de 52 anos, expressou alívio à AFP: a vitória de Milei "pelo menos vai trazer um pouco de tranquilidade diante de tanta incerteza de não saber o que aconteceria caso ele se saísse mal" nas eleições.
Outro apoiador, Patricio Mejuto, de 37 anos, reconheceu erros no governo ("aposentados, com o hospital pediátrico Garrahan"), mas ponderou que são questões que "podem se ajeitar, ainda tem tempo".
O fator Anti-Peronista e oposição enfraquecida
O repúdio ao peronismo — que obteve 31,6% dos votos — foi um fator decisivo. O cientista político Carlos Fara avaliou que este sentimento "pesou mais" do que os escândalos políticos do governo, a corrida cambial e o desgaste com o estilo de liderança presidencial. Segundo Fara, a sociedade chegou às urnas "esgotada, desiludida e com pouca energia" após o Congresso ter bloqueado vetos de Milei a leis essenciais.
A baixa participação, de cerca de 67% (a mais baixa desde 1983 em um país de voto obrigatório), reflete esse esgotamento. O cientista político Sergio Berensztein criticou a oposição, que "não só não houve autocrítica pelos desastres realizados nos governos anteriores, mas tampouco uma ideia superadora" para a agenda de reformas de Milei.
O cientista político Carlos Germano complementou: "Muitíssimos setores apostaram na mudança diante de uma oposição que estava propondo mais do mesmo sem nenhuma alternativa ao plano econômico".
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O trauma econômico supera o sofrimento social
Apesar de a "motosserra" de Milei ter causado sofrimento social — perda de dezenas de milhares de empregos, queda de salários, e cortes no financiamento de ciência, educação e saúde —, o eleitorado valorizou a queda da inflação.
A analista Shila Vilker, da consultoria Trespuntozero, afirmou que a "memória traumática" da inflação prevaleceu sobre os sintomas recessivos da economia. "Não subestimaria a estabilidade e o controle da inflação, que para a psiquê de boa parte dos argentinos é algo extremamente valioso", disse Vilker, explicando por que a classe média e outros setores deram o voto de confiança ao presidente.
O "salva-vidas" americano e o medo do colapso
O medo de um fiasco financeiro que despertasse a inflação também pesou. A proposta de uma ajuda bilionária dos Estados Unidos, condicionada por Donald Trump ao bom desempenho eleitoral de Milei, surgiu como um "salva-vidas oportuno" para o mercado.
Carlos Germano observou que o surgimento do socorro americano "ajudou a que não se deixasse de explorar o tema do dólar, que tinha entrado em uma espiral frenética e se aquietou". Embora parte da população tenha criticado a ajuda como interferência, outro segmento a valorizou.
Germano concluiu que o que prevaleceu foi "a aposta em um processo de mudança que está no meio do caminho, com muitos erros a corrigir, mas frente o outro que já conheciam".