MDB garante espaço em futuros governos, independente de quem vencer

MDB garante espaço em futuros governos, independente de quem vencer

No RS, divergências que se mantêm desde a definição da aliança com o PSDB, e seu impacto sobre votos, são motivo de preocupação

Flavia Bemfica

Diante de racha, Gabriel Souza, candidato a vice na chapa de Leite, vem tentando atrair votos dos emedebistas

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Assim como acontece com o MDB nacional em relação à corrida presidencial, o MDB gaúcho também se divide entre as duas candidaturas que passaram ao segundo turno na disputa pelo governo do Estado. Aqui, a divisão era conhecida, vinha sendo tratada com discrição no primeiro turno, e a ideia era que se mantivesse assim no segundo porque, enquanto no país o MDB não está formalmente nem na coligação de Lula (PT) e nem na de Jair Bolsonaro (PL), no RS o partido não só é o maior aliado do candidato do PSDB, Eduardo Leite, como tem o vice da chapa.

De forma a ‘contornar’ o problema, e mesmo que uma parcela significativa do MDB vote em Bolsonaro e em Leite, também os que preferem o adversário do tucano, o deputado federal e ex-ministro Onyx Lorenzoni (PL), passaram a utilizar dois ‘códigos’ principais para apontar a correligionários sua escolha. Eles ou anunciaram voto para Bolsonaro, de quem Onyx é o candidato no Estado, ou têm familiares que abriram voto para o deputado.

Na sexta-feira, contudo, quando a deputada estadual reeleita Patrícia Alba, o prefeito de Gravataí, Luiz Zaffalon, o presidente do partido na cidade, Alan Vieira, e o ex-prefeito, Marco Alba, declararam voto em Onyx e posaram para fotos ao seu lado, a tensão escalou. O entendimento de articuladores da chapa PSDB/MDB é de que a situação está gerando, mais do que desconforto, prejuízo à Leite, que chegou ao segundo turno com uma desvantagem de 679.211 votos.

Os números registrados nas urnas, conforme os mapas dos emedebistas, são autoexplicativos sobre o quanto as divergências existentes dentro do partido podem ter influenciado e podem continuar a impactar o desempenho da candidatura PSDB/MDB. Em Gravataí, sexto maior colégio eleitoral, por exemplo, Onyx ficou com 58.195 votos e Leite com 41.935. Alba, que tentou sem sucesso uma vaga na Câmara Federal, fez 45.882.

Com a ressalva de que não é possível contar com transferências automáticas de votos, e de que eleitores fazem as mais variadas combinações, nos maiores colégios, em 2022, Leite passou longe da soma das votações obtidas por ele e pelo emedebista José Ivo Sartori no primeiro turno de 2018. Na comparação com aquele ano, a votação de Leite cresceu agora em dois dos maiores colégios (Porto Alegre e Canoas) e caiu em três (Caxias do Sul, Pelotas e Santa Maria). Na Capital, ele contabilizou 84.962 votos a mais neste ano, totalizando 262.770. Mas Onyx fez 229.274, enquanto Sartori havia somado 197.032 no pleito passado.

Em Pelotas, berço político do tucano, ele perdeu 50 mil votos, e o candidato do PL marcou 45 mil. Sartori havia feito 9.220 em 2018. Em Caxias, terra de Sartori, Leite fez agora 71.884 votos e Onyx 122.435. Na eleição passada, Sartori havia marcado 114.739 e Leite 74.631. Em Santa Maria, Leite perdeu 14.080 votos, passando de 54.804, em 2018, para 40.724. Em Canoas, cidade dos aliados Luiz Carlos Busato (União Brasil) e Jairo Jorge (PSD), sua votação quase dobrou, dos anteriores 33.964, para 60.099, mas abaixo do que ele e Sartori somaram em 2018 (cerca de 76,5 mil votos) e do que Jorge fez sozinho naquela eleição (77.227). Onyx marcou 70.280 votos na cidade no dia 2.

De deputados a prefeitos emedebistas, é corrente o entendimento de que a sigla deverá ocupar espaço nas administrações que começam em 2023, no RS e no Brasil, dando seguimento a uma postura que, a nível federal, se repete desde a redemocratização. O candidato a vice de Leite, o deputado estadual Gabriel Souza, considera que a situação nacional não surpreende, e lança mão da máxima utilizada nas últimas décadas para justificar a participação de sua agremiação em governos antagônicos. “Em Brasília, e no país, o MDB tem suas alas, suas características, de federação”, resume. Sobre a situação no RS, responde com bom humor, mas manda também um recado: “tenho certeza de que o MDB vai ser governo aqui, porque vamos ganhar a eleição, e porque somos a única chapa que representa o legado do partido.”

Internamente, contudo, o tema é considerado sensível e Gabriel deu início a um trabalho pesado na tentativa de uma mobilização que busque votos que poderiam ou deveriam estar com o MDB no primeiro turno, mas acabaram ou com Onyx ou com o então candidato do PT, Edegar Pretto. O entendimento é de que, apesar de aparentemente ter faltado força ou mobilização também a tucanos (são comandadas por eles as cidades de Caxias, Pelotas e Santa Maria, onde a votação de Leite caiu) e a outros aliados, como o União Brasil, não há tempo para discussões. Nem o PSDB e nem o União Brasil, por si só, teriam a capilaridade e a estrutura necessárias nos municípios para promover a alavancagem que a chapa precisa.

Por isto, o vice deu início a uma ação para tentar mobilizar lideranças municipais da sua legenda. Está promovendo reuniões para as quais são convocados não só prefeitos e vices, mas também vereadores e seus suplentes, dirigentes de diretórios e integrantes do primeiro e segundo escalões de administrações. Na agenda desta semana, uma das concentrações ocorrerá na região do deputado, o Litoral. Em Tramandaí, cidade do vice, Onyx ficou à frente de Leite. Em Osório, terra do mais votado do MDB para a Câmara Federal, Alceu Moreira, Leite ficou em terceiro, atrás de Onyx e Edegar, nesta ordem.

Na semana passada, Alceu declarou voto e posou para fotos com Bolsonaro e a bancada ruralista em Brasília. “Espero que o partido tome uma decisão pró-Bolsonaro no RS”, projeta. A sigla liberou os filiados na eleição nacional, mas o diretório gaúcho não oficializou até agora uma posição. Seguindo a postura de Leite, Gabriel e o mais votado da legenda para a Assembleia Legislativa, Juvir Costella, anunciaram que não vão abrir o voto. “A tendência é deixar que cada um tome sua posição”, adianta Costella. Uma reunião da bancada está marcada para a noite desta segunda-feira.

Alegando questões pessoais, Alceu disse que não vai tratar sobre a eleição estadual. A interlocutores, contudo, costuma lembrar que foi ‘apunhalado’ no processo para definição do caminho que o MDB seguiria na eleição. O deputado integra o grupo partidário que, de público, trabalhava pela candidatura própria (mesmo que parte dele já mantivesse conversas com Onyx). Ele chegou a se lançar pré-candidato para a disputa interna da legenda, mas acabou retirando seu nome em função da sucessão de brigas que dividiram os emedebistas nas tratativas sobre a conveniência ou não de uma aliança com o PSDB. Caciques do partido, como Sartori e o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, refutavam a união com Leite, mas acabaram vencidos pela articulação gestada por Gabriel e o tucano com apoio de parte da bancada estadual.  

Na semana passada, Melo foi outro que abriu voto para Bolsonaro. Seu filho, que tentou e não conseguiu se eleger para a Assembleia Legislativa, declarou voto também em Onyx. Internamente, apoiadores de Leite/Gabriel apontam que o prefeito estaria comprometido com Onyx desde a campanha de 2020, quando se elegeu com forte apoio de bolsonaristas, a começar por seu vice, que, assim como o ex-ministro, migrou do DEM para o PL. Melo, contudo, sempre negou a existência de qualquer arranjo prévio e, de público, se apresentou como um dos mais vocais defensores da candidatura própria.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895