No pulsar da 49.ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em cartaz de 16 a 31 de outubro, surge um panorama variável e inquietante da produção cinematográfica contemporânea. Aqui destacam-se dois títulos de peso que, em sua diferença radical, simbolizam a rica diversidade da Mostra. Primeiro, o provocador e aguardado longa-metragem do grego Yorgos Lanthimos, “Bugonia” (2025), mistura de estilos com comédia ácida, ficção-científica e um toque provocador de crítica social. Depois, o explosivo quase-western satírico norte-americano “Eddington” (2025), de Ari Aster, com Joaquin Phoenix e Pedro Pascal, que escancara paranoias do presente.
Lanthimos retorna à forma mais radical: em “Bugonia”, com carga surreal e estilo de laboratório emocional, ele articula uma fábula sobre seres humanos presos ao desejo de terem controle, ou à falência desse controle. Na trama, dois primos assumem perfil conspiracionistas e sequestram a CEO de uma grande corporação, convencidos de que ela é uma alienígena que planeja destruir a Terra. Só se sabe no final do filme se isso é verdade ou não. Diálogos intensos, clima psicológico que revela personalidades conturbadas e se estabelece em uma agilidade narrativa. Temas contemporâneos e preocupações universais. A obra representa aquela fatia da Mostra voltada para o instigante, o experimental, o cinema que não busca agradar, mas provocar.
Já “Eddington” opera numa gama totalmente distinta, e é precisamente aí que reside a força da diversidade desta edição da Mostra de São Paulo . Na América profunda, em pleno 2020, um confronto visceral entre xerife (Phoenix) e prefeito (Pascal) numa cidadezinha do Novo México serve de lente para a paranoia, o populismo, o embate ideológico, a pandemia e os mitos contemporâneos. Aster, conhecido por seus filmes de horror elevado, aqui abraça o western híbrido: crítico, mordaz, politizado. E ainda que as recepções sejam mistas, “divisivo”, “autointitulado”, dizem alguns, o filme tem uma brutal clareza de proposição: refletir o tenso agora, o colapso do simbólico, a mídia, e a armação cultural. Tem COVID, sem ser sobre pandemia. Tem tiroteio sem ser western. Tem redes sócias, sem ser drama tecnológico contemporâneo. Inteligente, expõe, provoca e não dá todas as respostas.
O que essas duas obras têm em comum, apesar de tudo, além de Emma Stone, é uma vontade de desconfortar, de questionar. Mas também o que as distingue, forma, tom, alvo, cenário, desenha o porquê de inegável importância de uma Mostra que não se limita à “boa programação” ou ao filme de festival laureado. Entre os centenas de filmes da Mostra, cabe tanto o cinema de autor “difícil” quanto o comentário social com ambição de público; cabe o estranho que incomoda e o “mainstream” que provoca. E é essa amplitude que torna palpável a identidade desta edição.
Assim, ao percorrer sessões entre 16 e 31 de outubro, o espectador se depara com fractais narrativos como os de “Bugonia”, filmes que interrogam o humano em estado puro, e com peças crônicas da época como “Eddington”, que transformam a tela num espelho insuportável. A diversidade não está apenas nos gêneros ou nas origens geográficas (Europa vs. EUA), mas nos modos de ver o mundo, e isso, talvez, seja o grande triunfo desta Mostra: mostrar que o cinema internacional não é feito para confortar, é feito para mobilizar, debater, ferir e, quem sabe, transformar.
De Lanthimos a Ari Áster, a diversidade da Mostra 2025
Ao percorrer sessões entre 16 e 31 de outubro, o espectador da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo se depara com fractais narrativos
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