Marina Käfer

O retorno do borogodó: identidade e desejo voltam às passarelas de Paris

Marina Käfer reflete sobre o retorno do desejo e da autenticidade às passarelas parisienses

Em tempos de algoritmos e previsibilidade, Paris parece ter redescoberto o que faz tudo valer a pena
Em tempos de algoritmos e previsibilidade, Paris parece ter redescoberto o que faz tudo valer a pena Foto : Anne-Christine Poujoulat / AFP / CP

A Semana de Moda de Paris Primavera/Verão 2026 marcou um ponto de virada: depois de temporadas dominadas pelo minimalismo e pela estética neutra, o borogodó — aquele charme, a faísca de desejo e autenticidade — voltou a ocupar a cena da moda.

Nas passarelas, vimos uma reaproximação com o corpo, o prazer e a identidade. As roupas deixaram de buscar apenas a “imagem perfeita” e passaram a expressar personalidade, calor humano e imperfeição desejável. A sensualidade reapareceu, não como provocação, mas como autoafirmação de presença e liberdade.

Estilistas apostaram em volumes orgânicos e cores que evocam emoção. Em contraste com temporadas anteriores, há uma recusa sutil ao excesso de tecnologia e uma volta ao artesanato, à textura e à história pessoal — o luxo como gesto, não como logotipo.

Chanel e YSL, na minha opinião, são os melhores desfiles da temporada.

• Ambos os desfiles mostram que identidade não precisa ser literal (uma estampa cultural, um folclore explícito) para ser potente — ela pode emergir do tratamento de símbolos, da textura, da carga afetiva e uma memória histórica.
O desejo aparece como vetor: não apenas em passarelas “sensuais”, mas no acabamento, no drapeado, no peso visual, nas intervenções inesperadas.
• Chanel ousa ao repensar seus clássicos como objetos “usados” (o 2.55 amassado, o tweed desfiado) — uma forma de trazer a marca para a vida de quem a vive, com imperfeições e afetos.
• YSL reafirma sua assinatura glamourosa, mas com liberdade estilística: não se prende à rigidez do que sempre foi, mas permite que o espetáculo — o desejo de viver moda intensamente — se manifeste.
• Em ambos, há um movimento de reconciliação entre o passado e o presente: o que alimenta precisamente essa retomada do “borogodó”.

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O “borogodó”, uma gíria brasileira que virou símbolo global dessa energia — uma mistura de encanto, desejo e autenticidade que reacende o magnetismo da moda.

Em tempos de algoritmos e previsibilidade, Paris parece ter redescoberto o que faz tudo isso valer a pena: a beleza do imprevisto e o poder do carisma.


Marina Käfer é formada em Design de Moda e pós-graduada em Comportamento do Consumidor e Moda, Mídia e Mercado. Já foi professora consultora de varejo em instituições como Senac e Sebrae. Tem especializações em styling, jornalismo de moda e visagismo, com experiência no mercado plus size.