Ministro aposentado do STJ Gilson Dipp morre aos 78 anos em Brasília

Ministro aposentado do STJ Gilson Dipp morre aos 78 anos em Brasília

Gaúcho de Passo Fundo, magistrado atuou por 16 anos no órgão

Luciamem Winck

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O ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Langaro Dipp, de 78 anos, morreu na noite de segunda-feira em Brasília. ​Durante os mais de 16 anos em que atuou no STJ, Dipp ocupou os cargos de presidente da Quinta Turma e de vice-presidente do tribunal e do Conselho da Justiça Federal (CJF). Também foi membro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entre 2011 e 2013. Era casado e deixa três filhos. Dipp tomou posse no STJ em 29 de junho de 1998 e se aposentou em 25 de setembro de 2014. Nascido em 1º de outubro de 1944, em Passo Fundo, formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1968 e tomou posse como juiz do Tribunal Regional Federal da 4ª Região em 1989, corte que presidiu entre 1993 e 1995. Além da atuação na magistratura, foi professor de Direito Civil da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e integrante da Comissão da Verdade.

No dia em que deixou o serviço público, afirmou que sairia, mas manteria os olhos sobre o Judiciário, com um “conhecimento epidérmico” da realidade deste poder. Ele dedicou 25 anos à magistratura – 16 dos quais no Tribunal da Cidadania. Penalista, Dipp será lembrado pelo rigor de suas decisões, a cordialidade no tratamento com as pessoas e a habilidade em conciliar opiniões. Na época da aposentadoria, admitiu que estava deixando o STJ no momento certo. Nunca havia pensado em ser ministro, até que o conterrâneo Ari Pargendler, então desembargador federal, instigou-o a concorrer à vaga no TRF4. “Eu não pensava em ser juiz. Não pensava sequer em ingressar na magistratura depois de 20 anos de advocacia em Porto Alegre. Eu fui juiz por acaso, não foi planejado nem querido. Mas no momento em que me engajei na magistratura, assumi plenamente e com convicção a atividade que iria exercer”, contou, à época.

Dipp também integrou a Corte Especial, o mais alto colegiado de julgamentos do Tribunal da Cidadania. Foi membro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), participou da Comissão de Coordenação do STJ e atuou como vice-diretor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam). Tantos cargos o fizeram conhecer melhor não só o Judiciário, mas a realidade brasileira. “Tive a oportunidade, dentro e fora do Judiciário, de conhecer a realidade de um país com inúmeras carências, uma desigualdade social profunda, uma injusta distribuição de renda, uma dificuldade tremenda de acesso à Justiça”, discursou Dipp, no dia em que se despediu do STJ, assegurando que a magistratura foi uma experiência de vida muito rica.

Ele reconheceu, no entanto, que nem todos os ministros têm essa oportunidade de conviver com diversos segmentos sociais e diversas instituições, inclusive fora da magistratura. Por ocasião da posse na vice-presidência do STJ, Dipp foi chamado pelo então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, de “verdadeiro multitarefas”. Dipp ocupou dois dos mais importantes cargos do Judiciário: coordenador-geral da Justiça Federal, em 2007, e corregedor nacional de Justiça, de 2008 a 2010. Ele avalia que as experiências nos cargos lhe deram uma percepção ampla do funcionamento da Justiça brasileira em todos os seus ramos. Foi considerado um dos cem brasileiros mais influentes do ano de 2009. Em 2012, chegou a coordenar a Comissão Nacional da Verdade, instituída pelo governo federal para esclarecer violações dos direitos humanos durante o regime militar.

No Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como corregedor, o ministro trabalhou para radiografar um Judiciário completamente desconhecido: Havia pouca gestão nos tribunais, não havia estatísticas, não havia controle, não havia conhecimento de acervo de processos, havia muito pouco sobre concursos de promoção e remoção de juízes. Mudar essa realidade não foi trabalho só da corregedoria do CNJ, mas também dela. Na época, medidas tiveram de ser adotadas “com alguma contundência maior”. O ministro ainda avaliou que é difícil para o cidadão comum compreender o Poder Judiciário, com tantos tribunais, ramos e atribuições diferentes.

Durante sua permanência no STJ, o ministro proferiu mais de 80 mil decisões. “Não me impressiona o número de processos. Isso demonstra que houve um acesso maior ao Judiciário, principalmente a partir da Constituição de 1988, e o cidadão confia na Justiça, apesar de todos os desacertos, todas as dificuldades, todo um sistema processual inadequado, toda uma falta de gestão e organização”, comentou em 2014. Dipp ainda mencionou que "só há pouco tempo o Judiciário começou a entender e aplicar políticas públicas de gestão e administração, de eficácia e de satisfação da decisão judicial frente ao cidadão. Ele comemora que o Judiciário brasileiro, apesar de suas mazelas, talvez seja um dos judiciários do mundo com maior grau de autonomia e independência frente aos demais poderes – e certamente o é em toda a América Latina".

Código 

Seu profundo conhecimento sobre Direito Criminal o levou à presidência da comissão de juristas criada pelo Senado para preparar a reforma do Código Penal, cujos trabalhos foram encerrados em maio de 2012. A comissão que presidiu durante sete meses fez, segundo definiu, um anteprojeto de código moderno e central no sistema penal, com linguagem inteligível para o cidadão. O combate ao crime organizado e à lavagem de dinheiro foram as bandeiras levantadas por Dipp na elaboração do novo código.

O ministro destacava os avanços que matérias como crimes financeiros, lavagem de dinheiro, organizações criminosas e cooperação internacional tiveram no país durante os últimos anos, em especial no texto do anteprojeto entregue aos senadores. Todo o trabalho de aproximação do Judiciário com a população faz o ministro acreditar que o caminho leva à transparência, não só no Judiciário como em todas as frentes públicas. Dipp entende que isso é da própria evolução da sociedade e das instituições, do amadurecimento da democracia brasileira, “que de certa forma é ainda um pouco incipiente”.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895