Na poesia de Basílio da Gama, Lindóia é uma guerreira indígena que escolhe a morte para escapar de um casamento arranjado, que representaria a dominação de seu povo. No mapa de Porto Alegre, a heroína empresta o nome a um bairro residencial localizado na Zona Norte da cidade.
A Morte de Lindóia é o episódio central do poema épico "O Uraguai", de Basílio da Gama. Na trama, o líder indígena Cacambo, marido de Lindóia, é morto à traição pelo padre Balda. O religioso acerta com o irmão de Lindóia o casamento da moça com Baldeta, filho do religioso com uma mulher indígena. Com Cacambo morto, o casamento seria uma forma de o padre exercer controle sobre os indígenas. Para escapar do casamento arranjado, Lindóia deixa-se picar por uma serpente e morre.
Sem os mesmos ares trágicos, a história do bairro Jardim Lindóia começou a ser escrita na virada da década de 1940 para a de 1950, quando o empresário Arno Friedrich comprou uma chácara para criar um loteamento residencial. A Zona Norte crescia e se consolidava como uma nova zona industrial, com a migração de fábricas que antes ocupavam o Quarto Distrito.
No descampado de cerca de 76 hectares, onde antes havia apenas um tambo de leite e alguns animais, foi planejado o loteamento que contava com 12 ruas. Um loteamento de cerca de 1,5 mil terrenos próximo à saída para as praias, às indústrias e ao Aeroporto Salgado Filho - inaugurado em 1940, ainda como um pequeno aeródromo com pista de terra.
No começo, a regra era rígida: apenas casas residenciais de alvenaria poderiam ser construídas nos lotes. Nos contratos de venda dos terrenos, Friedrich incluiu uma cláusula determinando que os compradores construíssem apenas imóveis unifamiliares, com exceção dos lotes voltados à avenida Panamericana.
Os primeiros moradores chegaram no começo dos anos 1950. Em 1955, foi fundado o Lindóia Tênis Clube. No início, não havia iluminação pública, nem transporte coletivo. As prioridades de investimento eram calçamento, praças e arborização. A partir da década de 1970, algumas casas são destruídas, dando lugar aos primeiros edifícios.
Um bairro urbano com clima de interior
Os primórdios da história do bairro remontam a 1949. Percebendo uma tendência de expansão da cidade para o Norte, o empresário Arno Friedrich adquiriu uma propriedade rural. O nome do loteamento foi escolhido por ele, após uma viagem com sua esposa ao município de Águas de Lindóia, na Serra da Mantiqueira, em São Paulo.
“Era um ‘lugarzinho’ diferente, tranquilo e acolhedor como uma cidadezinha do interior. Descampado, horizonte infinito - onde o olhar se perdia em busca de ‘civilização à vista’, que não havia ao alcance do olhar”.
Assim a museóloga Gisela Hauberth de Lima descreve o bairro em que cresceu - e que viu crescer - em seu Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado em 2019 na Ufrgs.
“Grandes figueiras, vertentes, cavalos e zebus passeando soltos entre as residências, bugres e ciganos, mato de pitangueiras e maricás e cercas de arame farpado, onde as ruas terminavam, demarcando os limites do bairro. Festas juninas na rua, com fogueira e carreta de bois de canga e muitas, muitas brincadeiras ao ar livre e pelos arredores. Este era o bairro da minha infância”, recorda.
O pequeno núcleo, formado por 12 ruas, era delimitado pelas avenidas Panamericana, La Paz, Montreal e pela rua Paulo Lobato. A maioria dos nomes dos logradouros fazia referência a cidades de países latinoamericanas: avenida La Paz, Mexicale, Caracas, Antilhas, Quito. As vias foram batizadas pelo historiador e jornalista Walter Spalding, que era tio da esposa de Friedrich.
Parte destes nomes foi alterada. A rua Mexicale virou Paulo Bento Lobato. A Tegucigalpa passou a se chamar Comandante Gustavo Cramer. As mudanças foram promovidas em 1959, na lei 2.022, que criou formalmente o bairro.
O próprio Friedrich, que era corretor, foi o responsável pela comercialização dos lotes, que foram vendidos rapidamente, devido às facilidades de crédito oferecidas pelo empreendimento.
1973: Lindóia em busca do silêncio
Na década de 1970, o desenvolvimento da região era visível. E trazia incômodo aos moradores. Uma reportagem publicada pelo Correio do Povo em 12 de agosto de 1973, e assinada pelo jornalista Alberto André, trazia no título: “Lindóia em busca do silêncio”.
Representando 400 famílias, o presidente da Associação dos Amigos do Jardim Lindóia, Dorocy João Pereira, defendia as duas principais reivindicações da comunidade: manter o bairro como área residencial pura e proibir o trânsito de veículos pesados - “jamantas e caminhões” - na avenida Panamericana.
O texto descreve duas paisagens distintas na região. “Na artéria de acesso, a Panamericana, foram autorizados edifícios de apartamentos de quatro pisos, todos de agradável feitura”, diz a matéria. A partir da praça Libanesa, “situam-se as residências térreas, tendo como elemento de incentivo a construção caprichada, os espaços livres, e a sede do Lindóia Tênis Clube e serviços comunitários”.
Surgem os prédios
Aos poucos, a paisagem do lugar vai sendo transformada. O bairro de características interioranas, de bovinos soltos, poucas casas e pequenas ruas que acabavam em arame farpado vê surgirem novas vias, subirem os primeiros edifícios e até mesmo um centro comercial, o Lindóia Shopping, inaugurado em 1994.
Hoje, a população do Jardim Lindóia é de 7.587 habitantes, de acordo com o Censo 2022. Pouco mais de 0,5% dos moradores de Porto Alegre. Dos 93 bairros da cidade, é o 60º em população.
No traçado atual, o Jardim Lindóia faz divisa com os bairros Jardim Floresta, Cristo Redentor e Parque São Sebastião e é limitado pela Avenida Assis Brasil e Avenida Sertório.
Passadas mais de sete décadas desde que a chácara virou bairro, as casas térreas e edifícios residenciais de até quatro andares ainda predominam na paisagem local. No entanto, nas proximidades das avenidas que limitam o território do bairro é possível ver dezenas de grandes edifícios residenciais e comerciais com mais de dez andares.
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