"Só queria ver meus filhos de novo", diz moradora de Caraá que ficou presa em árvore por 36 horas

"Só queria ver meus filhos de novo", diz moradora de Caraá que ficou presa em árvore por 36 horas

Após parte de sua casa desabar com a enxurrada, Roseli foi arrastada pelo Rio dos Sinos por cerca de 20 km

Felipe Faleiro

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Fé é a palavra mais utilizada nas falas da aposentada Roseli Rodrigues Pereira, 58 anos, passada aquela que certamente foi a maior provação de sua vida. Os diversos cortes e hematomas exibem as marcas de sua sobrevivência do ciclone extratropical da semana passada que arrasou Caraá e grande parte do Litoral Norte, matando 15 pessoas, quatro delas no município de oito mil habitantes. 

Internada desde segunda-feira no Hospital São Vicente de Paulo, em Osório, as 48 horas vividas por ela entre a última quinta e sábado beiram o surreal: ela foi arrastada por 20 quilômetros rio dos Sinos adentro, e, assim que parou, permaneceu um dia e meio firmada com as mãos no tronco de uma árvore, até ser resgatada por vizinhos.

"Só queria ver meus filhos de novo. Foi tudo muito rápido, mas Deus me acompanhou o tempo todo. Os médicos e enfermeiros daqui dizem que sou um milagre", resume ela. 

Moradora de Linha Padre Vieira 2, às margens do Sinos, ela foi levada pela correnteza até a localidade de Evaristo. O marido dela, Valdevino Pinto Pereira, 68, também estava na casa, e conseguiu permanecer nela, ficando próximo a uma parede que não caiu. Há poucos dias, conta a esposa, ele havia feito uma cirurgia e instalado três pontes de safena. Nesta terça-feira (20), Valdevino estava internado em Novo Hamburgo.

“Quando aconteceu, perdi a noção do tempo. Tudo estava muito escuro quando eu fui levada”, conta ela. Com temor de água, ela precisar superar seus medos, além da possibilidade de morrer a qualquer instante. “Não perdi a consciência nenhuma vez. Toda vez que parecia estar me afogando, sentia meus anjos me jogando para cima. Fiquei junto a uma tábua e parei perto de uma árvore. Ali permaneci”, recorda. 

Sem forças para subir, o corpo de Roseli ficou quase todo tomado por água durante 36 horas, pelo menos, até ela ouvir, no sábado, o barulho de vizinhos. Após gritar por socorro, quatro pessoas, um casal e mais dois amigos, a resgataram, e logo acionaram o Corpo de Bombeiros, cujas equipes reforçam o efetivo de Caraá e demais órgãos de apoio desde a quinta-feira. “Quando eu descobrir quem me salvou, vou levar um presente para eles”, promete ela.

Nada sobrou da residência de Roseli e Valdevino, dentre tantas outras que tiveram o mesmo destino trágico. Amigos e familiares estão se revezando em seus cuidados. Ontem, estava com ela a nora, a nutricionista Thaís Helena Soares da Silva, 31, esposa de um dos três filhos do casal, que têm em torno de 30 anos de idade. Do incidente, Roseli ficou com diversos cortes, principalmente na perna, e hematomas, alguns dos quais necrosados. Por ora, ela está recebendo quatro medicações diárias, principalmente antibióticos.

Até essa segunda-feira, ela estava internada no Hospital Santo Antônio da Patrulha, antes de ser encaminhada a Osório, onde deverá passar por um procedimento cirúrgico para tratar dos ferimentos. Há possibilidade de que ela retorno a Santo Antônio, cujo hospital é referência regional, mas não corre maiores riscos. A aposentada conta que cobras passavam próximas ao seu corpo, e chegou a retirar aranhas que subiam em si.

“Tive calma para me salvar. Quero dizer que as pessoas não precisam entrar em pânico. Não chorei pela morte do meu marido, que não aconteceu. Sou o verdadeiro milagre de Deus. As pessoas têm de ter esperança. Sempre há uma chance para se salvar. Deus tem um plano para mim. Não sei ainda qual é, mas vou descobrir”.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895