Solteiros convictos: conheça quem não comemora o Dia dos Namorados

Solteiros convictos: conheça quem não comemora o Dia dos Namorados

Especialista explica que o anseio por uma relação romântica não é regra, ao contrário do que os filmes de contos de fadas podem fazer parecer

Camila Pessôa

Solteiros relatam não sentirem necessidade de estar num relacionamento

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Passar o Dia dos Namorados solteiro e bem não é para todos. Para aqueles que levam o dia a sério e estão em busca do “par ideal”, pode ser, na verdade, bem melancólico. “O que faz as pessoas frustradas, muitas vezes, é idealizar esse amor, o que pode levá-las a não conseguirem ter relacionamentos duradouros”, explica o professor de psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Ângelo Brandelli.

O professor aponta que, para muitas pessoas, há uma confusão da necessidade de afeto e amor com o desejo de ter um companheiro. Isso pode fazer com que pareça impossível ser feliz “sozinho”. Mas esse anseio por uma relação romântica não é regra, ao contrário do que os filmes de contos de fadas podem fazer parecer, e as pessoas a seguir podem provar isso de diferentes maneiras.

“Sou solteira por convicção e vocação”

“Não sou contra relacionamento, tem vezes que eu acho até fofinho”, diz a estudante de jornalismo Raquel Sanches, de 35 anos. “Tem uma galera que é meio contra, mas não é o meu caso, eu até já fui casada, com um relacionamento estável por sete anos, mas, para mim, neste momento não cabe. Eu digo que eu sou solteira por convicção e vocação”, descreve. 

Para Raquel, um relacionamento diz respeito principalmente a concessões. “Às vezes de organização da casa que tu quer arrumar, uma música que tu quer ouvir, um programa, um filme, até decisões grandes de se mudar, de emprego, a parte financeira…”, exemplifica. 

Raquel não quer abrir mão de tomar decisões de forma independente e ter o estilo de vida que mais combina consigo. Foto: Ricardo Giusti

Dessa forma, como não está disposta a fazer concessões no momento e não gosta de dar satisfação, Raquel não se vê em um relacionamento num futuro próximo. “Têm pessoas que têm uma carência absurda e precisam de alguém, precisam de amor (romântico), e eu acho que amor é muito mais, tu pode ter amor na família, amor de amigos, amor de outras formas que vão te complementar”, considera.

A estudante de jornalismo reconhece que um relacionamento romântico não é a única fonte possível de amor. Foto: Ricardo Giusti

Ela adianta que não tem essa visão por conta de traumas em relacionamentos passados. “É só uma característica minha mesmo, eu gosto de estar sozinha até demais às vezes, isso me preocupa, eu sou uma pessoa que muitas vezes dá desculpa para não estar com os amigos”, comenta. Ao mesmo tempo, reconhece as necessidades de compartilhar experiências, conversar e ter apoio emocional, as quais sente supridas pelo bom relacionamento com família e amigos.  

“Às vezes eu fico com alguém um tempo, mas nada muito sério, na diversão, o famoso ‘pega mas não se apega’, não estou querendo nada além disso e costumo deixar isso bem claro”, enfatiza. 

Sem romantismo

A secretária Adriana Pizani, de 40 anos, passou por questões semelhantes durante toda a sua vida. Adriana não se vê participando de nenhum tipo de relacionamento amoroso, já que se identifica como arromântica. 

A arromanticidade identifica pessoas, de qualquer orientação sexual, que não têm atração romântica, ou seja, que não sentem desejo ou necessidade de ter um relacionamento romântico nem idealizam um romance com qualquer que seja o parceiro. O conceito também pode ser considerado em espectro, com pessoas que sentem essa atração, mas de forma restrita ou condicional. A secretária se descobriu de fato arromântica há dois anos.
 
“Na adolescência eu sofri muito porque muita gente confunde a arromanticidade com frigidez, com uma pessoa que tenha autismo, uma pessoa que tenha uma doença, então eu passei por vários tipos de consulta, eu fui a psicólogos, fui inclusive a psiquiatras, porque eu percebia que eu tinha alguma coisa diferente e eu sofria muito por isso, mas não entendia por que eu não conseguia ter tanta atração pelas pessoas”, relata Adriana. Isso a levava muitas vezes a se isolar, por não conversar sobre os mesmos assuntos que os outros, o que acontece ocasionalmente ainda hoje. 

Um exemplo da dificuldade de se conectar foi uma situação recente que ocorreu no trabalho de Adriana, quando um funcionário de outra filial da empresa em que trabalha veio fazer uma visita. “Uma colega veio querendo bancar o cupido né, dizendo que ele é solteiro e bonito, e já que eu sou solteira a gente poderia se conhecer, mas, na hora que esse colega apareceu, não tinha nada que me atraiu”, relata.

Por essa ausência de desejo por esse tipo de contato, por muito tempo Adriana achava que era insensível, amarga e incapaz de amar o próximo, o que a fazia se sentir culpada. Mas com o tempo começou a entender que na verdade ela é uma pessoa empática e consegue, sim, amar, de outras formas. “Existem vários tipos de amor, tem o amor do companheirismo, tem o amor da amizade, tem o amor de você querer bem a um filho, um irmão”. 

Hoje, Adriana até sente vontade de dividir a vida com alguém, mas sem nenhum tipo de vínculo romântico. “É mais como se eu quisesse ter um colega de quarto do que realmente um companheiro”, explica. 

A identificação como arromântica ajudou Adriana a tranquilizar os pais, que a partir do termo conseguiram entender melhor a filha. “A minha relação com a minha mãe melhorou 1000%, ela começou a ver que a questão não é que eu sou muito seletiva, eu só sou diferente dos outros”.

Fora da “norma”

“É como se eu tivesse na frente de um buffet, todo mundo levando uma comida e eu não estou com fome, eu não estou a fim’”, conta o estudante de Produção Audiovisual Lê Maier, 20 anos, fazendo referência a uma série da Netflix que o ajudou a se descobrir assexual – espectro que identifica pessoas que não sentem atração sexual de nenhuma forma ou apenas parcialmente e em determinadas condições. Maier é assexual estrito, ou seja, não sente atração sexual por ninguém. 

Hoje em dia, Maier não descarta a ideia de ter um relacionamento, mas precisaria de limites claros. Foto: Mauro Schaefer

“Eu comecei a descobrir principalmente pela questão da pandemia, porque ficar em casa me fez refletir bastante sobre mim, e passar muito mais tempo na internet”, relata o estudante, que também está produzindo um documentário sobre a questão, intitulado Rosa Violeta

Entre suas razões para produzir o filme está a falta de entendimento da assexualidade pelo público. “Muitos dizem que não é possível uma pessoa não sentir desejo romântico ou sexual por outra pessoa, que isso não existe ou é algum tipo de problema, de ser antissocial, ter alguma doença ou falta de hormônios”, descreve. 

Se identificar dentro do espectro assexual melhorou a vida de Maier. “É como dar nome às coisas, porque eu sempre achava estranho, quando adolescente, os meus colegas falando bastante sobre relacionamentos, ou sempre com namoradinhos, e eu era indiferente a isso ou não entendia o propósito”, relata.

Ele também não conseguia se enxergar em um casamento ou namoro, por exemplo, o que mudou com a descoberta da assexualidade, que o fez descobrir que é possível ter esse tipo de relacionamento sem necessariamente se envolver sexualmente.

Conhecer a assexualidade fez com que Mayer se entendesse melhor e descobrisse novas possibilidades. Foto: Mauro Schaefer

Historicamente, não se tinha noção de que existiria uma não resposta sexual saudável, mas a partir dos anos 1960 e principalmente depois dos anos 2000 ficou claro que pessoas que não sentem atração sexual podem ter uma vida normal, como explica o professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da PUCRS, Ângelo Brandelli.

Para ele, o que é determinante para saber se a falta de desejo sexual deve ser tratada em clínica é o fato de ela oferecer ou não dificuldades para a vida da pessoa. “Se a gente olhar na história recente, a gente vê vários casos de pessoas que nunca se relacionaram com ninguém, hoje emergiu uma série de nomenclaturas, isso pode ser bom, mas também pode encapsular as pessoas, porque ao longo do ciclo vital isso pode mudar”, pondera o professor. 

“Solteira sim, sozinha nunca”

Ana Paula Távora, de 20 anos, nunca namorou por não ter achado alguém com quem sentisse vontade de se relacionar com exclusividade. “Porque eu acho que o que dá sentido a um namoro é alguém que chega e vai me dar vontade de ficar só com essa pessoa”, explica. Segundo ela, o motivo para um namoro seria um sentimento “super especial” que ela ainda não experimentou.   

“Então não é exatamente sobre não querer me relacionar nesse momento, é sobre estar bastante feliz sozinha, quer dizer, solteira. Solteira sim, sozinha nunca!”, declara.

Ana Paula comenta que o fato de a maior parte de suas amigas ser solteira também a influencia. “Acho que as minhas amizades se estruturam muito nisso, em a gente sair juntas para festas, a gente se envolver com diferentes pessoas e eventualmente ficar com as mesmas pessoas”, relata. “Acho que isso em alguma medida faz também com que ser solteira faça muito sentido, porque sendo solteira eu vivencio muitas coisas especiais com as pessoas que eu gosto”, finaliza.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895