Política

Assembleia do RS aprova repasse de área indígena a Viamão; entenda polêmica

Após horas de discussão e emenda que reduziu o perímetro a ser destinado, projeto aprovado pode ser alvo de judicialização

Local abriga 57 famílias da aldeia Tekoa Nhe'engatu, da etnia Mbyá Guarani
Local abriga 57 famílias da aldeia Tekoa Nhe'engatu, da etnia Mbyá Guarani Foto : Pedro Piegas

Após longa discussão na sessão plenária desta terça-feira, e depois do adiamento da votação por pelo menos duas vezes, foi aprovado o projeto de lei (PL) 280/2025, do governo do Rio Grande do Sul, que repassa área do Estado com presença indígena para o município de Viamão. A proposta sofreu alterações e foi aprovada por 36 a 13. O local abriga 57 famílias da aldeia Tekoa Nhe'engatu, da etnia Mbyá Guarani.

A área total é de 148,8 hectares e pertence à antiga Fepagro, fundação extinta em 2016, mas que mantém pesquisas sobre butiazeiros na região. O texto original destinava 88,8 hectares para a instalação de um “Centro Logístico, Empresarial e Tecnológico” na propriedade.

Após semanas de pressão da bancada de oposição e da própria comunidade indígena, que chegou à comparecer no Parlamento gaúcho e no Palácio Piratini para dialogar com interlocutores da gestão Eduardo Leite (PSD), propôs-se uma alternativa. A redução do perímetro destinado para 55,9 hectares, apesar de não agradar a comunidade Tekoa Nhe'engatu, foi aprovada via emenda e, portanto, anexada ao texto.

A emenda ainda determina “manter sob propriedade do Estado área de 18 hectares destinada à pesquisa” – local onde ficam os butiazeiros – e “disponibilizar a área remanescente para composição negociada junto ao Ministério dos Povos Indígenas com a finalidade de regularizar e compor os interesses e necessidades da comunidade indígena existentes no local”.

Portanto, a área destinada aos guaranis pode ser de cerca de 75 hectares. O resultado não agrada aos indígenas, que afirmaram, ao serem visitados in loco pela reportagem do Correio do Povo, que mais da metade deste espaço é ocupado por lago e por área de preservação permanente (APP), onde não se pode realizar cultivo ou erguer construções.

O projeto tinha o interesse do deputado Valdir Bonatto (PSDB), ex-prefeito de Viamão, que inclusive pressionou o governo Leite para manter o texto na pauta. Mesmo com a alternativa aprovada, ele afirmou que trabalhará para encontrar outro local para a aldeia guarani. “Tenho dúvida de que esse é o melhor local e se o ministério vai aceitar. Nossa posição é que encontramos outra área para proteger a nossa comunidade indígena”, afirmou.

“É uma área de perímetro urbano. É uma área junto ao Autódromo de Tarumã. É uma área muito conturbada do ponto de vista da cultura, do comportamento, da atitude dos povos indígenas”, argumenta Bonatto.

Oposição prevê judicialização

O principal argumento da oposição, ao não conseguir sensibilizar o governo Leite sobre as 57 famílias vivendo no local, foi pela inconstitucionalidade do projeto. Ocorre que o Brasil é signatário da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), assinada em Genebra (SUI) em 2002.

A convenção determina que, “em caso de pertencer ao Estado a propriedade dos minérios ou dos recursos do subsolo, ou de ter direitos sobre outros recursos, existentes na terras, os governos deverão estabelecer ou manter procedimentos com vistas a consultar os povos interessados”. A comunidade não foi consultada antes do protocolo do projeto. Inclusive, havia negociações em andamento sobre a área entre governo, comunidade e Ministério dos Povos Indígenas. O Executivo se retira da mesa de negociações e envia a proposta ao Legislativo sem o conhecimento dos envolvidos.

“O governo está colocando um projeto que vai gerar insegurança jurídica para o Estado, para o município de Viamão, para a comunidade indígena e para o governo federal. Havia um acordo de cooperação técnica que foi iniciado e que é desrespeitado com a votação desse projeto. Temos ilegalidade no processo legislativo com o desrespeito à convenção 169 da OIT. Não há uma área determinada que vai ser doada. Uma perspectiva de judicialização é inevitável”, criticou o deputado Matheus Gomes (PSol).

“Esse projeto não deveria estar sendo votado porque ele guarda um problema de legalidade básico. A Convenção 169 é incorporada pela legislação brasileira desde 2002. É uma legislação de proteção às comunidades indígenas. Qualquer movimentação dessas comunidades exige um prévio diálogo aberto e isso não ocorreu”, protestou o deputado Miguel Rossetto, líder da oposição.

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