Após longa discussão na sessão plenária desta terça-feira, e depois do adiamento da votação por pelo menos duas vezes, foi aprovado o projeto de lei (PL) 280/2025, do governo do Rio Grande do Sul, que repassa área do Estado com presença indígena para o município de Viamão. A proposta sofreu alterações e foi aprovada por 36 a 13. O local abriga 57 famílias da aldeia Tekoa Nhe'engatu, da etnia Mbyá Guarani.
A área total é de 148,8 hectares e pertence à antiga Fepagro, fundação extinta em 2016, mas que mantém pesquisas sobre butiazeiros na região. O texto original destinava 88,8 hectares para a instalação de um “Centro Logístico, Empresarial e Tecnológico” na propriedade.
Após semanas de pressão da bancada de oposição e da própria comunidade indígena, que chegou à comparecer no Parlamento gaúcho e no Palácio Piratini para dialogar com interlocutores da gestão Eduardo Leite (PSD), propôs-se uma alternativa. A redução do perímetro destinado para 55,9 hectares, apesar de não agradar a comunidade Tekoa Nhe'engatu, foi aprovada via emenda e, portanto, anexada ao texto.
A emenda ainda determina “manter sob propriedade do Estado área de 18 hectares destinada à pesquisa” – local onde ficam os butiazeiros – e “disponibilizar a área remanescente para composição negociada junto ao Ministério dos Povos Indígenas com a finalidade de regularizar e compor os interesses e necessidades da comunidade indígena existentes no local”.
Portanto, a área destinada aos guaranis pode ser de cerca de 75 hectares. O resultado não agrada aos indígenas, que afirmaram, ao serem visitados in loco pela reportagem do Correio do Povo, que mais da metade deste espaço é ocupado por lago e por área de preservação permanente (APP), onde não se pode realizar cultivo ou erguer construções.
O projeto tinha o interesse do deputado Valdir Bonatto (PSDB), ex-prefeito de Viamão, que inclusive pressionou o governo Leite para manter o texto na pauta. Mesmo com a alternativa aprovada, ele afirmou que trabalhará para encontrar outro local para a aldeia guarani. “Tenho dúvida de que esse é o melhor local e se o ministério vai aceitar. Nossa posição é que encontramos outra área para proteger a nossa comunidade indígena”, afirmou.
“É uma área de perímetro urbano. É uma área junto ao Autódromo de Tarumã. É uma área muito conturbada do ponto de vista da cultura, do comportamento, da atitude dos povos indígenas”, argumenta Bonatto.
Oposição prevê judicialização
O principal argumento da oposição, ao não conseguir sensibilizar o governo Leite sobre as 57 famílias vivendo no local, foi pela inconstitucionalidade do projeto. Ocorre que o Brasil é signatário da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), assinada em Genebra (SUI) em 2002.
A convenção determina que, “em caso de pertencer ao Estado a propriedade dos minérios ou dos recursos do subsolo, ou de ter direitos sobre outros recursos, existentes na terras, os governos deverão estabelecer ou manter procedimentos com vistas a consultar os povos interessados”. A comunidade não foi consultada antes do protocolo do projeto. Inclusive, havia negociações em andamento sobre a área entre governo, comunidade e Ministério dos Povos Indígenas. O Executivo se retira da mesa de negociações e envia a proposta ao Legislativo sem o conhecimento dos envolvidos.
“O governo está colocando um projeto que vai gerar insegurança jurídica para o Estado, para o município de Viamão, para a comunidade indígena e para o governo federal. Havia um acordo de cooperação técnica que foi iniciado e que é desrespeitado com a votação desse projeto. Temos ilegalidade no processo legislativo com o desrespeito à convenção 169 da OIT. Não há uma área determinada que vai ser doada. Uma perspectiva de judicialização é inevitável”, criticou o deputado Matheus Gomes (PSol).
“Esse projeto não deveria estar sendo votado porque ele guarda um problema de legalidade básico. A Convenção 169 é incorporada pela legislação brasileira desde 2002. É uma legislação de proteção às comunidades indígenas. Qualquer movimentação dessas comunidades exige um prévio diálogo aberto e isso não ocorreu”, protestou o deputado Miguel Rossetto, líder da oposição.
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