Política

Sem acordo, projeto sobre terra indígena em Viamão tranca pauta da Assembleia do RS

Proposta polêmica ainda gera embates entre governo e deputados da oposição

Aldeia abriga 57 famílias guaranis
Aldeia abriga 57 famílias guaranis Foto : Pedro Piegas

Do pacote de projetos protocolado em julho pelo governador Eduardo Leite (PSD) na Assembleia Legislativa do RS, apenas dois não foram votados. Um deles é justamente o mais polêmico. Trata-se da proposta de destinar ao município de Viamão uma área estadual que, desde de março de 2024, abriga a aldeia indígena Tekoa Nhe'engatu, da etnia Mbyá Guarani.

Nova reunião realizada na Casa Civil no Palácio Piratini nesta segunda-feira terminou sem acordo e o projeto, que tranca a pauta do Legislativo, pode ir a votação nesta terça-feira. A tendência, no entanto, é de que a apreciação do texto seja adiada em mais uma semana.

Participaram deputados da bancada da oposição, representantes da aldeia, o líder do governo, Frederico Antunes (PP), e o secretário-chefe da Casa Civil, Artur Lemos Júnior (PSD). Procurado pela reportagem, o governo não quis se manifestar.

Originalmente, o projeto determina que parte dos 148 hectares da área seja destinado para instalação de um complexo logístico e industrial. Após pressões, o governo propôs o fatiamento do terreno para atender aos diferentes interesses de uso do local. A oposição busca, pelo menos, a retirada do regime de urgência para que uma alternativa possa ser melhor debatida e o projeto não seja apreciado já nesta terça.

“Nós tentamos sensibilizar o governo. Se o governo está realmente disposto a dialogar, que retire o regime de urgência, abra o espaço para apresentar o georreferenciamento, que fatia da área vai ficar de fato, mas até o momento o governo do Estado não detalhou a proposta”, afirmou o deputado Adão Pretto (PT), que participou do encontro.

A alternativa, inicialmente, já não agradava a comunidade. “A proposta dele é dividir em três, 18 hectares para a pesquisa, 50 para a prefeitura e o restante para a comunidade. Ficaria 78 hectares para a comunidade. Só que, destes, 40 hectares são mata nativa e 11 de lagos, preservação permanente. Sobrariam 27 hectares para abrigar as famílias, não tem como”, afirmou o cacique da aldeia Tekoa Nhe'engatu, Eloir de Oliveira. O texto original prevê 88 hectares a serem repassados para a prefeitura.

“Estamos abertos ao diálogo, mas desde que seja construtivo para ambas as partes. A posição do Estado é de ceder de 88 hectares para 50, mas mesmo assim é prejudicial à comunidade”, criticou Eloir.

Eloir de Oliveira, cacique da aldeia indígena Tekoa Nhe'engatu, da etnia Mbyá Guarani | Foto: Pedro Piegas

“Guarani sempre foi resistência e batalha”

Há cerca de um ano e meio, a aldeia indígena Tekoa Nhe'engatu, da etnia Mbyá Guarani, se instalou em uma área de Viamão que pertence à extinta Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro). São 57 famílias que vivem em um território de 148,8 hectares de mata – área que o governo do Estado busca repassar ao município para posterior instalação de centro logístico e industrial.

Os guaranis definem a ocupação deste e de outros territórios como uma retomada. Isto, retornar às suas terras ancestrais. “O Rio Grande do Sul todo e o Brasil todo são terra indígena. Então, a gente está apenas retornando ao espaço que um dia foi nosso, e que foi retirado no início da colonização. É uma retomada desses espaços que os governos abandonaram, onde não estão dando essa funcionalidade para a terra”, afirma Laércio Gomes, morador da comunidade, formado em história pela UFRGS e professor para as crianças da aldeia.

| Foto: Pedro Piegas

O local foi praticamente abandonado após a extinção da Fepagro, aprovada pela Assembleia Legislativa em 2016. “Os casarões aqui da sede estão sucateados, abandonados. Não dava mais para aproveitar. Até por risco de segurança para as pessoas, a gente não reformou nenhuma. E as casas que estão hoje aqui, a gente construiu com apoiadores”, conta Laércio.

Agora, os moradores da aldeia buscam dar um destino à terra, sempre buscando harmonia entre a convivência humana e a preservação da natureza. Além da pesca, os guaranis cultivam no espaço milho melancia, aipim, batata doce, melão, amendoim, entre outras culturas.

“Onde a gente morava, a gente tinha 7 hectares de terra no espaço. Como a gente cultiva bastante as plantações, o espaço não tinha como. Mas agora com esse espaço aqui a gente pode fazer um pouco de tudo. Ensinar as crianças a caçar, pescar, manter a cultura viva. Não só da cultura, mas do meio ambiente em si, a natureza. O espaço nativo a gente pretende manter, cuidar, preservar. Começamos a plantar mudas de árvores frutíferas”, conta Reni, que é professora de educação infantil na comunidade.

Além da pesca e do cultivo para subsistência, a principal atividade da aldeia é o artesanato, que é vendido nas zonas urbanas.

A propriedade esperada para a área é, agora, interrompida pelo temor das 57 famílias de que tenham que buscar um novo lugar para viver. Afinal, o projeto que destina o terreno a Viamão preocupa todos na aldeia.

“É um momento difícil, mas ao mesmo tempo a gente é feliz aqui na aldeia. Acho que a vida do Guarani sempre foi isso. Sempre de resistência e sempre de batalha. E não é esse projeto que vai nos parar agora, independente de qualquer perda, independente de qualquer problema que o Estado brasileiro possa impor ao nosso povo. A gente vai sempre estar resistente e batalhador”, brada Laércio.