Justiça barra mais de R$ 1 milhão em emendas e suspende parcerias da Prefeitura de Porto Alegre
Promotora responsável pelas ações aponta “descontrole na aplicação de recursos” em secretaria municipal
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A falta de detalhamento do uso de verbas públicas vindas de emendas parlamentares motivou ao menos duas ações ajuizadas pelo Ministério Público (MPE) contra a Prefeitura de Porto Alegre e entidades em junho de 2023 e janeiro de 2024. Nos dois casos, a Justiça suspendeu as parcerias e bloqueou, ao todo, R$ 1.184.000,00.
O órgão apontou, em ação que resultou na decisão liminar proferida na última segunda-feira, 22, que a Secretaria Municipal de Governança Local e Coordenação Política (SMGOV) apresenta “histórico recente de descontrole na aplicação de recursos decorrentes de emenda parlamentar mediante a celebração de parceria sem atendimento aos requisitos legais”.
Nos dois casos, de acordo com a promotora Roberta Brenner de Moraes, da 8ª Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público, os orçamentos e planos de trabalho apresentados por essas entidades apresentavam “falhas gravíssimas”, tornando irregulares as parcerias.
Os casos denunciados tratam de uma parceria firmada em novembro de 2023 entre o Município e o Ypiranga Futebol Clube - clube conhecido como Ypiranguinha, localizado na avenida Princesa Isabel, em Porto Alegre - para execução de projetos arquitetônicos, no valor de R$ 500 mil; e um termo de colaboração firmado em junho de 2023 com o Sindicato Rural de Porto Alegre, para ações relativas a projeto de Recenseamento e Sanidade Animal, no valor de R$ 684 mil.
Os dois casos chegaram ao conhecimento do MPE por meio de denúncias anônimas. Após investigação, o órgão ingressou com ações judiciais, tendo os pedidos liminares aceitos pela Justiça.
"Chama atenção que nos dois casos, a controladoria do município havia apontado inconsistências e, mesmo assim, as parcerias foram firmadas. Na ótica do Ministério Público, elas tinham inúmeras irregularidades. Como a verba já tinha sido repassada, as ações pediram liminares a fim de garantir que recurso fosse preservado, e foi o que conseguimos”, afirmou a promotora ao Correio do Povo.
Em uma das ações, ela cita que a amplitude das ações da secretaria “parecem propositadamente amplas, ora atuando na realização de projetos de sanidade animal, ora atuando na reforma de Clube.”
Para o Ministério Público, a falta de informações detalhadas e verificáveis sobre o uso dos recursos denota intenção de “rápido acesso à verba pública, recebida em uma única parcela". Os recursos em questão foram repassados por meio de emendas parlamentares e as parcerias foram firmadas pela Prefeitura, por meio da SMGOV.
No caso mais recente, que apura a parceria com o Ypiranga, a promotora sustenta que o procedimento administrativo não traz comprovação sobre a situação dos espaços que se pretende reformar ou da dimensão dos serviços a serem executados. Assim, sustenta a promotora, não há como constatar o motivo pelo qual tenha sido liberada a verba, sobretudo, em parcela única.
“Em se tratando de realização de projetos, muito mais lógico, em vista da proteção do patrimônio público, seria a liberação dos recursos em parcelas, para que o pagamento do executor do serviço seja quitado apenas quando da conclusão dos trabalhos”, diz o documento de pedido de liminar encaminhado à Justiça em dezembro do ano passado.
Na última segunda-feira, 22, a Justiça acatou a liminar, suspendeu a parceria e bloqueou a verba de R$ 500 mil, oriunda de emenda federal. De acordo com o MPE, o valor da emenda já foi repassado ao clube. No mesmo dia, a Procuradoria-Geral do Município informou ao Correio do Povo que estudava os recursos judiciais cabíveis e ressaltou que ainda está em aberto o prazo para a apresentação de contestação formal.
O juiz responsável pelo caso, José Antônio Coitinho, da 7ª Vara da Fazenda Pública, entendeu que a verba foi repassada “sem que fossem cumpridos os requisitos essenciais do Termo de Parceria” e que a situação apresenta “evidente risco de prejuízo ao erário.”
A reportagem procurou a Prefeitura para esclarecer os apontamentos feitos pelo Ministério Público. A assessoria de imprensa afirmou que segue valendo a nota encaminhada anteriormente. “Sobre a decisão liminar que determinou a suspensão do Termo de Parceria firmado entre o Município e o Ypiranga Futebol Clube para a execução de projetos arquitetônicos, a Procuradoria-Geral do Município informa que estuda os recursos judiciais cabíveis e ressalta que ainda está em aberto o prazo para a apresentação de contestação formal”, diz o texto.
A nota cita ainda que a parceria “seguiu as formalidades legais e que a gestão e fiscalização do projeto estão alinhadas com a legislação vigente”.
A reportagem tentou contato com o Ypiranga Futebol Clube por meio de redes sociais e de telefones disponíveis na internet e no cadastro da entidade junto à Receita Federal, mas não obteve resposta. O espaço segue aberto para manifestação.
“Rápido acesso à verba pública”
Os problemas apontados pelo Ministério Público estão nos orçamentos e planos de trabalho, considerados “vagos” e “incompletos”. O clube apresentou três orçamentos para os projetos e execução de obras na sede da entidade, todos sem assinatura de responsável técnico.
A primeira empresa, inclusive, está inapta desde 2021. A promotora destaca que o orçamento, num total de R$ 544 mil, prevê R$ 532 mil para projeto, responsabilidade técnica e PPCI, e R$ 12 mil para execução de obras de acessibilidade.
Nos outros dois orçamentos, não são informados os CNPJs das empresas. O segundo orçamento apresentado cita a reforma do salão de festas do segundo andar da entidade. Dos R$ 528 mil orçados, a maior parte se destina a serviços pouco detalhados e sem parâmetros de preço. A promotora destaca que, neste orçamento, há previsão de R$ 26.400 para a confecção das placas, sem informar o número de placas ou seu tamanho.
O terceiro orçamento totalizou exatamente o valor da emenda parlamentar disponível: R$ 500 mil. São apontadas semelhanças entre os dois últimos orçamentos, o que, para o MPE, sugere que “os documentos tenham sido elaborados mediante prévio acerto entre os envolvidos.”
O cronograma de execução do projeto cita apenas duas etapas: “pesquisa de mercado” no primeiro mês, e “contratação de empresa” no segundo mês, restando vazios os outros 10 meses de duração da parceria.
Em relação ao Plano de Trabalho apresentado pelo clube, o MPE aponta que o documento é vago e indica ainda erros de digitação e de grafia. “Pelo que se pode concluir, elaborado com o único desiderato de possibilitar o rápido acesso à verba pública, recebida em uma única parcela e sem a possibilidade de controle de sua aplicabilidade.”
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Caso semelhante em 2023
Em junho de 2023, a Justiça já havia concedido liminar favorável ao MPE em ação semelhante, envolvendo a SMGOV e o Sindicato Rural de Porto Alegre. A Justiça determinou ainda a devolução dos R$ 684 mil que haviam sido repassados à entidade em parcela única. O valor era oriundo de uma emenda da Câmara de Vereadores.
Na ação, são apontados problemas de falta de informações detalhadas no orçamento e plano de trabalho. A maior parte do recurso, R$ 290 mil, é prevista para “vacinas, remédios e afins”, com a indicação de que seriam 22 mil doses de vacinas, sem especificar os tipos ou a finalidade.
“Aliás, sequer é possível identificar a existência de demanda para receber as vacinas e remédios previstos, uma vez que inexiste o recenseamento”, diz a promotora na ação.
O MPE sustenta na ação que o sindicato não tem capacidade técnica e operacional para o desenvolvimento das atividades a que se comprometeu, “dado que sequer logrou redigir proposta adequada, nos termos previstos no Edital”, e que os serviços a serem prestados e produtos a serem adquiridos não foram quantificados.
O presidente do sindicato, Cleber Vieira, afirma que o trabalho é importante para se ter informações sobre as propriedades rurais de Porto Alegre e garantir a vacinação aos animais de pequenos produtores.
“O MPE disse que o sindicato não tinha capacidade de fazer o recenseamento e as vacinações, mas foi o sindicato que bolou e executou esse trabalho desde 2009. Mas achamos por bem não questionar a decisão. Devolvemos os valores, conforme determinado, e vamos buscar outro formato para fazer esse trabalho. Os prejudicados são os produtores.”
Sobre a ação envolvendo o Sindicato Rural, a Prefeitura afirmou que vale a mesma posição enviada sobre a ação referente à parceria com o Ypiranga.
Confira a íntegra da resposta da Prefeitura de Porto Alegre:
“Sobre a decisão liminar que determinou a suspensão do Termo de Parceria firmado entre o Município e o Ypiranga Futebol Clube para a execução de projetos arquitetônicos, a Procuradoria-Geral do Município informa que estuda os recursos judiciais cabíveis e ressalta que ainda está em aberto o prazo para a apresentação de contestação formal.
O Município sustenta que o Termo de Parceria firmado seguiu as formalidades legais e que a gestão e fiscalização do projeto estão alinhadas com a legislação vigente. Esclarece ainda que, por se tratar de emenda parlamentar impositiva federal, o Município limita-se a atuar como instrumento viabilizador do repasse, não podendo interferir sobre o mérito da aplicação do recurso”.