Alto Vale do Taquari aposta no cultivo da erva-mate

Alto Vale do Taquari aposta no cultivo da erva-mate

Arvorezinha e Ilópolis apostam no cultivo da atividade, enquanto outras regiões abandonam

Correio do Povo

Aos 92 anos, Artur Roman cultiva erva-mate

publicidade

Enquanto perde espaço nas lavouras gaúchas para culturas de ciclo mais curto, a produção de erva-mate registra crescimento em pelo menos uma região, o Alto Vale do Taquari. Se em outros polos ervateiros é cada vez mais comum que os produtores arranquem os ervais, o mesmo não ocorre em Arvorezinha e Ilópolis, dois dos principais produtores da planta no Rio Grande do Sul. Entre os fatores que incentivam o plantio está o terreno, acidentado e pedregoso, e a tradição das famílias, que aprenderam a cultivar e manejar a planta. Além disso, os dois municípios possuem um grande contingente de pessoas que vivem na área rural.

Na pacata Ilópolis, com 4 mil habitantes, todas as 800 propriedades rurais cultivam ervais. Em 2010, o censo do IBGE calculava uma área plantada de 5,9 mil hectares no município. Hoje o cultivo abrange 7,3 mil hectares - maior área do Estado -, com uma produção anual de mais de 65 mil toneladas. “Até nos quintais das casas dá para encontrar pés de erva-mate”, brinca o chefe do escritório municipal da Emater, Fabiano Zenere. A produção e a industrialização da planta representam 45% do Valor Adicionado Bruto do município.

O surgimento de novos empreendimentos ligados ao setor demonstra a importância da cultura para esta região. Somente em Ilópolis, 15 novas ervateiras foram instaladas desde o ano passado, segundo a prefeitura. Algumas delas, no entanto, não realizam o ciclo completo, da moagem até o empacotamento. Até 2014, o município contava com 14 empresas. Na região, 21 novos estabelecimentos surgiram no mesmo período, totalizando 59.
Arvorezinha aparece em segundo no ranking estadual, com área de 7 mil hectares e produção anual de 65 mil toneladas, conforme dados do IBGE. “Na região do Alto Vale do Taquari, ao invés dos produtores arrancarem os pés de erva, como acontece em outros polos ervateiros, eles estão plantando ainda mais”, observa o diretor executivo do Instituto Brasileiro da Erva-Mate (Ibramate), Roberto Ferron.

Os terrenos íngremes e acidentados da região tornam mais difícil a implantação de outras culturas, conforme Ferron. Em contrapartida, nos polos ervateiros de Erechim e Palmeiras das Missões, por exemplo, os terrenos são mais planos e a erva-mate perdeu espaço para as lavouras com culturas anuais, como soja, trigo e milho.

Com produtividade média de 10 mil quilos por hectare por safra nos municípios de Ilópolis e Arvorezinha, o polo ervateiro do Alto Vale do Taquari se destaca no Estado pelo diferencial produtivo, tecnológico e gerencial. O diretor executivo do Ibramate explica que os produtores mostram avanços no manejo dos ervais, colheita diária e mensal, introdução de inovação tecnológica e mão de obra especializada, com a profissionalização no trabalho. Na região também há trabalhos por meio da integração entre os agricultores e as indústrias do setor. “A erva-mate é uma planta que possibilita ao jovem permanecer no campo, pois pode proporcionar aporte mensal de receitas financeiras à família”, afirma Ferron.

A tradição no cultivo da erva-mate não foi abalada sequer pela oscilação de preços registrada nos últimos anos. Em 2014 e 2015 houve uma grande elevação nos preços ao produtor e também na gôndola do supermercado. Os valores pagos ao agricultor chegaram a ter um aumento de 300%, enquanto os praticados ao consumidor atingiram a elevação de 200%. Em 2016, no entanto, os preços ao produtor voltaram a cair, ficando abaixo das expectativas. Os produtores atualmente recebem entre R$ 11 e R$ 14 pela arroba de erva-mate, de acordo com a qualidade. Zenere, da Emater, afirma que o valor é superior ao pago em outras regiões em função da qualidade. Explica que os agricultores que usam apenas mão de obra própria conseguem obter lucro. No entanto, muitos precisam recorrer à terceirização do trabalho de limpeza e poda e, nestes casos, o custo aumenta consideravelmente.

Novos usos

O Brasil exporta erva-mate cancheada e moída para mais de 30 países. Apesar da difusão do consumo de formas diferentes, o diretor executivo da Ibramate, Roberto Ferron, afirma que há espaço para crescer mais. Como exemplo, cita os chás, segunda substância mais consumida no planeta entre as bebidas, mercado em que a erva-mate representa apenas 1%. Ele afirma ser necessária maior divulgação, com a conscientização sobre as propriedades medicinais da planta.

Mudança no ranking

No ranking da área plantada com erva-mate, o município de Ilópolis saiu da sétima posição em 1990, com 200 hectares, para a primeira em 2014, com 7,3 mil hectares, de acordo com tabela elaborada pelo Sindicato da Indústria do Mate do Estado do Rio Grande do Sul com dados do IBGE. Em outro quadro comparativo, da quantidade produzida, o salto é maior ainda, da décima posição, com 3,2 mil toneladas, para a liderança, com 59 mil toneladas, nos mesmos anos. Venâncio Aires, que liderava nos dois itens, com 1,3 mil hectares e 30,3 mil toneladas em 1990, caiu para o quarto lugar em área (1,5 mil hectares) e décimo em produção (5,2 mil toneladas) em 2014. Erechim, que era sexto em área (250 hectares) e quarto em quantidade (6,5 mil toneladas), não aparece mais entre os dez maiores dos dois quesitos.

Família testemunhou evolução do cultivo

A família Roman, de Ilópolis, é testemunha do avanço ocorrido na produção de erva-mate nas últimas décadas. Antes da produção de mudas em viveiros, que é feita atualmente, o patriarca Artur - hoje com 92 anos - caminhava mais de 20 quilômetros no matagal para encontrar as melhores plantas ainda novas. “Na época muitos achavam que o meu avô era louco ao fazer isso”, conta Clovis Roberto, 43, neto de Artur. Junto com o pai, Sérgio, ele leva em conta o aprendizado do avô, que defende que “aqueles que têm erva-mate sempre possuem um dinheirinho”.

A maior parte dos produtores de erva-mate de Ilópolis faz o cultivo em áreas apenas com a espécie, sem consorciar com outras culturas. A atividade é o carro-chefe do rendimento de 85% das famílias. A área média varia de 8 a 12 hectares. Clovis Roman revela que recebe entre R$ 12 e R$ 15 pela arroba atualmente. Ressalta que o segredo no município para a valorização superior a outras regiões é a qualidade do produto. “Os produtores têm consciência sobre o manejo correto. Muitas experiências ocorreram ao longo do tempo para melhorar a qualidade e até algumas ervateiras puxaram a frente neste trabalho”, explica.

A manutenção de gado, suínos, frangos e outras atividades para a subsistência nas propriedades também ajuda a aumentar o lucro das famílias.

O agricultor prevê o retorno do equilíbrio de oferta e da demanda nos próximos anos com a queda na produção em outras regiões em consequência dos baixos preços pagos aos produtores. E com isso a atividade novamente deverá aumentar a rentabilidade. Mas Clovis destaca a necessidade de tornar o serviço menos braçal, com o aumento da produção e de forma mais confortável. Observa que hoje o trabalho ocorre com sol ou com chuva e as pessoas ficam muito expostas às condições do tempo.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895