Do Velopark a Porto Alegre, a madrugada luminosa do protesto

Do Velopark a Porto Alegre, a madrugada luminosa do protesto

Parte do “tratoraço” partiu do autódromo localizado em Nova Santa Rita, na Região Metropolitana

Poti Silveira Campos

Primeiros tratores do Tratoraço chegam em Porto Alegre

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Às 2h desta quinta-feira, 8, o cenário no autódromo Velopark, em Nova Santa Rita, na Região Metropolitana de Porto Alegre, pouco indicava a dimensão do que efetivamente seria o “tratoraço” que chegou à Capital no início da manhã. Apenas nove tratores estavam estacionados na penumbra, sobre um gramado, e cinco homens reuniam-se em torno de uma churrasqueira. O pequeno grupo, no entanto, garantia que havia “muito mais”:

“Ali, embaixo daquelas árvores, tem vários tratores”, disse um dos produtores, oferecendo um naco de carne recém-cortado do espeto que repousava acima do braseiro. “E o pessoal tá dormindo por aí, embaixo ou dentro das ‘pranchas”, afirmou, referindo-se, no jargão dos agropecuaristas, aos caminhões utilizados para transportar maquinário agrícola.

Uma das “pranchas” havia chegado ao local depois de cinco horas de viagem, desde Boa Vista do Incra, município da região do Alto Jacuí, conduzido pelo proprietário, Paulo Olavo da Silva, 59, produtor de soja, milho e trigo. Com o excesso de chuvas em abril e maio, o agricultor viu apodrecer em torno de 50% da sua safra de soja. A área da propriedade chega a 800 hectares, 85% dos quais arrendados.

“Antes de começar a chuva, estávamos colhendo 65 sacos por hectare, mas acabamos com 10 sacas por hectare, relata Paulo Olavo. Os problemas, no entanto, não tiveram início com a catástrofe climática que arrasou o Estado no outono. “Tivemos que prorrogar o pagamento de muita coisa nos anos anteriores, em razão da estiagem”, diz ele.

A frase resume a origem do endividamento do setor primário gaúcho, que hoje reivindica prorrogação dos vencimentos ou mesmo perdão de dívidas, para aqueles que sofreram perdas totais, junto ao governo federal.

Paulo Olavo participou dos dois protestos organizados pelo SOS Agro antes do “tratoraço”, em Cachoeira do Sul e em Rio Pardo. “Se precisar ir a Brasília, a gente vai também. Temos de pelear”, afirma. Para ele, trazer o maquinário para as ruas de Porto Alegre atende, principalmente, “à questão política”. “Em Porto Alegre vai repercutir muito mais, e a classe política só trabalha sob pressão. Vamos ter algum resultado”, avalia.

Meia hora depois, por volta das 2h30, outros produtores começaram a surgir. De fato, como havia sido dito à reportagem, estavam nas carrocerias, cabines ou mesmo debaixo das “pranchas”. À chegada dos homens, seguiu-se a revelação dos potentes faróis dos tratores, clareando onde antes só havia escuridão.

Ao cruzar o portão 4 do autódromo, iniciando a viagem até Porto Alegre, eram 26 tratores. Pouco tempo depois, já rodando pela Rodovia Leonel de Moura Brizola, a BR-386, somava-se 45 veículos, uma fila luminosa estendendo-se por quase dois quilômetros, escoltada pela Polícia Rodoviária Federal e cumprimentada pelas buzinas dos caminhões que a ultrapassavam. Ao chegar a Porto Alegre, aumentada com as adesões ao longo do caminho, contabilizava pelo menos 70 tratores.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895