Qualidade é o diferencial da carne gaúcha

Qualidade é o diferencial da carne gaúcha

Último debate da série promovida pelo Correio do Povo tratou dos rumos da pecuária diante da crise

Correio do Povo

Participantes abordaram as alternativas que a cadeia produtiva terá depois da Operação Carne Fraca e delação da JBS

publicidade

A pecuária de corte do Rio Grande do Sul teve, neste ano, um primeiro semestre desafiador. Após a deflagração da Operação Carne Fraca, em março, o setor foi impactado pela queda dos preços em função da delação premiada da JBS, que fez aumentar a oferta de carne do Centro-Oeste dentro do Estado. Alternativas para o setor estiveram em pauta na última etapa do ciclo de debates Correio do Povo Rural, ontem, na Casa Correio do Povo no Parque Assis Brasil.

Para o primeiro vice-presidente da Farsul, Gedeão Pereira, o fato que mais impactou na pecuária gaúcha foi a delação premiada da JBS, já que a derrocada da empresa provocou uma desvalorização do boi gordo. Apesar disso, ele acredita que os efeitos da crise foram minimizados pela presença de outras indústrias, algumas delas de menor porte, o que ajudou a pulverizar o mercado. Segundo ele, o preço, hoje, já voltou aos patamares anteriores ao cenário de instabilidade e as perspectivas para o futuro são favoráveis. “O Rio Grande do Sul, pela situação geográfica e climática, tem raças britânicas, o que confere qualidade à carne, que pode atingir mercados que pagam mais”, observou.

Na contramão da crise, o presidente da Associação Brasileira de Angus, José Roberto Pires Weber, destacou que o programa de carne certificada da raça registrou aumento no primeiro semestre deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. A venda de sêmen da raça hoje é de 4 milhões de doses por ano. “Ou seja, temos um mercado consumidor de alto poder aquisitivo, que banca e paga pela qualidade”, disse. Mesmo assim, Weber não deixou de citar que o preço da soja e do arroz, que garantiram a rentabilidade do produtor nos últimos anos, hoje vive um momento desfavorável.

Embora em menor quantidade na comparação com o Centro-Oeste, a qualidade da carne gaúcha é um indicativo de que o futuro poderá ser mais promissor. Para o gerente de operações da Associação Brasileira de Hereford e Braford (ABHB), Felipe Azambuja, a crise foi forte, mas passageira. Azambuja destacou que o Rio Grande do Sul é o “berço genético” das raças britânicas no Brasil. “O conceito de carne a pasto é o que motiva o Brasil Central a nos procurar. Acho que o futuro está garantido por esses conceitos e essa tradição que o Rio Grande do Sul tem”, analisou.

Enquanto os produtores queixam-se dos preços e da entrada de carne de fora do Estado, a indústria alega que os ganhos estão reduzidos. O presidente do Sicadergs, Ronei Lauxen, afirmou que a margem bruta do setor fica entre 10% e 11%. “Não conheço outra atividade industrial que consiga se manter com a margem que trabalhamos”, ressaltou.
Lauxen admitiu que a compra de carne do Centro-Oeste sempre ocorria na entressafra do Sul, em junho e julho, mas era limitada a quantidades que evitassem o desabastecimento do mercado. “Esse ano essa situação se tornou um problema”, comentou. De acordo com o dirigente, essa carne chegou a entrar no Estado ao preço de R$ 8 o quilo da carcaça, enquanto os frigoríficos estavam pagando R$ 10,50 ao produtor.

O chefe-geral da Embrapa Pecuária Sul, Alexandre Varella, prefere não chamar o momento de crise, mas sim de transição e adaptação em benefício da pecuária. “O futuro aponta para que tenhamos sistemas mais produtivos e mais eficientes no uso dos recursos que temos dentro da propriedade, forçando o produtor a ser um gestor mais eficiente”, afirmou. Com custos em alta e mercados cada vez mais exigentes, Varella visualiza oportunidades. “No futuro, acredito que possa haver uma demanda muito grande do consumidor por um conceito de que é uma carne boa, de qualidade, mas produzida a pasto”, apontou.

Influenciada pela rentabilidade das lavouras, especialmente após o avanço da soja na Metade Sul, a pecuária agora sente os efeitos da desvalorização dos grãos. “Isso nos levou a viver quatro ou cinco anos em uma pecuária que parecia que era uma maravilha”, avaliou o coordenador do Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (Nespro), da Ufrgs, Júlio Barcellos. De acordo com ele, a atual cotação do boi gordo não é a mais baixa dos últimos 20 anos (em valores corrigidos). No entanto, a margem se tornou negativa. Um dos problemas, apontou, é a baixa produtividade. “Enquanto o Centro-Oeste põe três cabeças por hectare, nós colocamos meia e olhe lá”, comparou o professor, que defende a redução de custos e a melhoria da eficiência tecnológica.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895