Projeto mapeia identidade da carne bovina
Pesquisa pretende identificar as características da proteína produzida no RS

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Preocupada com o que considera ser desinformação sobre o consumo de carne bovina, a pesquisadora Elen Nalério, da Embrapa Pecuária Sul, deu início a um projeto que deverá resultar, na prática, em ampla caracterização da proteína oferecida pelo Rio Grande do Sul, revelando sua composição e propriedades nutricionais.
O trabalho, em fase inicial, tem previsão para ser concluído num prazo de três anos. Elen, ao classificar o esforço como “desafiador”, avalia que uma eventual prorrogação ampliaria o período para quatro anos. Mais de duas dezenas de profissionais estão mobilizadas para o estudo, que levará em conta os sistemas de produção e o território em que ocorrem para identificar o que a Embrapa chama de “impressão digital” da carne bovina do Estado.
O financiamento se dá com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs), por meio do programa Pesquisador Gaúcho.
De acordo com Elen, a maioria dos envolvidos é vinculada à própria Embrapa Pecuária Sul. A médica veterinária aponta a contribuição de uma equipe da área de matemática da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), “que vai nos ajudar na parte de inteligência computacional”, além de colegas da engenharia de alimentos e de física. Da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), somaram-se especialistas em química de alimentos.
O grupo inclui pesquisadores da Universidade Federal de Lavras (MG), “que fazem a parte de estatística dos dados e delineamento experimental. E temos ainda colegas da Embrapa Gado de Leite, na parte de desenho experimental”, esclarece Elen. As ferramentas principais são oriundas da área da metabolômica, ciência de ponta que permite conhecer a fundo o sistema biológico dos animais. Vinculada à Embrapa há 15 anos, Elen revela que se dedica à pesquisa de alimentos desde a graduação pela UFPel concluída em 2005.
“Tenho percebido que as pessoas estão deixando ou querendo deixar de consumir carne por preocupação com a própria saúde. Em alguns países, existem guias alimentares, se não me engano Estados Unidos é um deles, onde há recomendação da substituição linear, ou seja, de substituição de, por exemplo, cem gramas de proteína animal por cem gramas de proteína vegetal”, diz Elen, sobre a inspiração para a elaboração do projeto. Conforme a médica veterinária, a preocupação com tais recomendações e restrições alimentares é compartilhada com a comunidade científica.
“Há vários estudos demonstrando que um produto não substitui o outro”, afirma.
Elen percebe haver um senso comum de que “comer carne faz mal à saúde”. Essa compreensão é muitas vezes sustentada por documentos como a Tabela Brasileira de Composição de Alimentos. “A tabela tem uma amostragem fraca, baseada em 12 carcaças bovinas, que não refletem os sistemas produtivos brasileiros”, explica. Segundo a pesquisadora, o contrafilé, que é o músculo de eleição da tabela, consta com 12% de gordura e seria proveniente de animais criados em confinamento.
“Os dados da Embrapa mostram que animais que pastejam têm 3% de gordura. Muda a composição da carne. Muitas das comparações nutricionais utilizam, como base, dados americanos e europeus. São sistemas produtivos e carnes totalmente diferentes do que temos aqui”, diz Elen.
Intitulado “Prospecção nutricional e metabolômica da carne bovina produzida em sistemas pecuários modais do Rio Grande do Sul e seus potenciais impactos na saúde humana”, o projeto considera a premissa de que diferentes sistemas produtivos, formas de criação, intensidades de produção, solo, raça, entre outros fatores, interferem nos sistemas biológicos dos animais e, por consequência, na carne produzida.
“Queremos demonstrar a real qualidade do nosso produto, quais são os compostos, os metabólitos que se formam durante a vida do animal para, quem sabe, interferir em políticas públicas e desmistificar essa questão da carne”, afirma Elen.
As etapas
Como será realizada a pesquisa:
1. O projeto identificará os sistemas de produção de gado de corte predominantes no Rio Grande do Sul. Serão selecionados entre três e cinco modais, analisando detalhadamente as características da carne.
2. Amostras de carne serão coletadas junto a frigoríficos no dia do abate dos animais. Uma porção entre a 11ª e a 13ª costelas, correspondente ao músculo Longissimus dorsi (o contrafilé), será coletada para a realização das análises físico-químicas, de ácidos graxos, vitaminas e minerais e metabolômica.
3. As ferramentas de metabolômica possibilitarão chegar a uma sinopse bioquímica de um sistema biológico, investigando, por exemplo, as relações e o impacto do sistema produtivo na qualidade do produto final. A técnica permite apontar os diferentes metabólitos formados na carne durante a vida do animal.
4. A inteligência computacional oferecerá o desenho de modelos com as características avaliadas em cada sistema de produção. Um banco de dados reunirá as informações coletadas (tipo de solo, região, sistema produtivo, tipo de alimentação do animal, idade de abate, etc), além de dados obtidos em laboratório nas análises das amostras de carne.
5. De posse dos dados, haverá um processo de aprendizado de máquina com o objetivo de desenvolver algoritmos e modelos capazes de estabelecer padrões nutricionais vinculados ao ambiente produtivo.
6. Os padrões serão utilizados para estimar o perfil nutricional, além de determinar os benefícios à saúde e o potencial da carne para suprir necessidades de consumo diário de proteínas e outros nutrientes.
Fonte: Embrapa Pecuária Sul