Adriana Haas

O rugido da mulher madura

Adriana Haas reflete sobre o “chamado pela ferocidade” que chega com a maturidade feminina

Para ter uma vida mais interessante, é preciso abandonar a versão domesticada de si mesma
Para ter uma vida mais interessante, é preciso abandonar a versão domesticada de si mesma Foto : Pexels / Divulgação / CP

Roar. Essa é a música, cantada pela Katy Perry, que uma mulher na faixa dos 40 anos escolheu como trilha sonora para a nova etapa que está começando depois de um chacoalhão na vida estável e supostamente controlada que levava. A música fala sobre reencontrar a própria força depois de um período de submissão dentro de um relacionamento. “Roar” é o rugido de uma mulher tão habituada ao cárcere que sentia ser aquele o único lugar possível, mas decidiu sair da jaula e assumir seu lado selvagem.

A escolha musical me fez lembrar de Laurie, minha colega de quarto em um workshop do qual participei nos Estados Unidos. Depois de uma separação, ela tinha como objetivo uma frase em inglês que, até então, eu desconhecia: “stay feral”, que tem significados como “permaneça selvagem” e “mantenha-se instintiva”.

Laurie, uma silenciosa mulher de 50 e tantos anos, não tinha a intenção de tornar público seu objetivo. Mas em um belo dia de sol no deserto de Santa Fe, ela se levantou e, com voz firme, dividiu seu intuito com 50 pessoas. Naquele momento, sua natureza selvagem já se manifestava.

Embora oito mil quilômetros e as nacionalidades separem essas duas mulheres, uma coisa as aproxima: depois de anos vivendo conforme o protocolo da boa esposa, mãe e profissional, sentiram a necessidade de “voltar às origens”. Não às geográficas ou familiares, mas às origens internas, onde moram a autenticidade, o instinto e o desejo.

Muitas mulheres, ao atravessarem a faixa dos 40 ou 50 anos, descrevem esse mesmo impulso, especialmente após algum acontecimento que desestabiliza o contexto considerado confortável e seguro: uma separação, a saída dos filhos de casa, uma doença, uma mudança de trabalho. São momentos em que o velho roteiro deixa de servir e o silêncio abre espaço para o que ficou abafado. É aí que começamos a escutar o rugido.

Não é por acaso que esse “chamado pela ferocidade” apareça na maturidade. As oscilações hormonais dessa fase podem nos levar a estados de ânimo menos dóceis que na juventude, quando os hormônios nos programavam a aceitar mais do que gostaríamos em nome de uma “harmonia” favorável à procriação. Agora que nosso foco biológico deixou de ser a reprodução, a fera passa a querer emergir.

Os hormônios, no entanto, não são os responsáveis pela submissão feminina. Nossa cultura determina que as mulheres devem ser cordatas, pacificadoras, falar baixo, rir com moderação, cuidar dos outros e do lar sem receber nada em troca – como se tudo isso fizesse parte da nossa natureza.

Foi sobre esses estereótipos que aprendemos a construir nossas subjetividades e nossas vidas. Mas quando chegamos na maturidade, percebemos que a realidade é muito mais diversa e desejamos descobrir a mulher que está sob esses papéis sociais.

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Essa “selvageria” é profundamente criadora. “Stay feral” e “I’ve got the eye of the tiger” falam sobre voltar a confiar no corpo, no instinto, na intuição. E isso não acontece apenas depois de grandes rupturas, como uma separação ou uma demissão. Às vezes, nasce de algo mais sutil: um cansaço profundo, uma sensação de que a vida ficou previsível demais.

Essas histórias revelam que a maturidade pode ser o tempo da liberdade de ser quem se é. A mulher que escolhe “Roar” como trilha sonora e a que decide “stay feral” perceberam que, para ter uma vida mais interessante, precisam abandonar a versão domesticada de si mesmas – mesmo que, para isso, seja necessário mostrar os dentes.


Adriana Haas é jornalista e escritora. Especialista em Neurociência e em Psicologia Positiva, está concluindo a pós-graduação em Cuidado Integral de Mulheres Maduras. Pesquisa sobre a maturidade feminina há dez anos e tem dois livros sobre o tema.