Trigo para lavar a alma e aliviar o bolso

Trigo para lavar a alma e aliviar o bolso

Índices obtidos por Mauro Costa Beber, de Condor, na região Centro- Norte do Estado, que chegou a 83 sacas de grãos por hectare, combinam clima e profissionalismo do agricultor

Por
Thaíse Teixeira

Nunca o ditado popular “enquanto uns choram outros vendem lenço” fez tanto sentido para o agricultor gaúcho. Depois de amargar quebras de 56% nas lavouras de soja e de 34% nas de milho, no ciclo 2021/2022, ele fez da estiagem a mola propulsora para a maior e melhor colheita de trigo já vista no Rio Grande do Sul. O caminho não foi fácil. Ao final do primeiro trimestre, véspera do plantio, a eclosão da guerra entre Ucrânia e Rússia elevou os custos de produção a níveis jamais vistos. Quem havia adquirido os insumos para a safra de inverno estava tranquilo. No entanto, quem aguardava o crédito oficial teve mesmo de ver seus nervos transformarem-se em aço. Muitos tiveram, inclusive, de mudar o planejamento produtivo por conta da morosidade na liberação de recursos do governo federal (com juros subsidiados), sustentar um seguro rural com preços muito altos ou arriscar cultivar o grão sem contratar seguro.

Os gaúchos esperaram o quanto puderam para semear o cereal, mas investiram nas melhores cultivares. Não deixaram de arrendar áreas complementares e até empenharam capital próprio, mas não desistiram. Um deles é Mauro Costa Beber, agricultor no município de Condor, localizado na região Centro-Norte do Estado. Com seis anos de estudo sobre meteorologia, definiu o investimento para os 1,7 mil hectares da Agropecuária Brasitália ainda durante a estiagem do último verão, entre janeiro e fevereiro. “Sempre confiava nos meteorologistas, que não acertavam as previsões. Queria entender as correlações entre a temperatura da superfície do mar, em vários locais do oceano, com a produtividade das culturas, tanto de inverno como de verão”, conta, revelando compartilhar o conhecimento com outros produtores no link

A certeza do clima favorável

Em março deste ano, Costa Beber obteve 95% de certeza que o clima colaboraria com o cultivo do cereal. Foram os mesmos prognósticos que lhe fizeram investir em variedades de ciclo precoce, médio e tardio de soja nas safras 2021/22 e 2022/23, além de o ajudarem a dirimir as perdas decorrentes da estiagem. Pretendia, inicialmente, semear 550 hectares de trigo, mas seus registros indicavam um caminho ainda mais promissor. Mesmo com a estratégia da safra de inverno definida, decidiu ampliar a área plantada para 770 hectares. “É ano de La Niña. O fenômeno traz várias coisas boas para trigo: é frio em setembro e outubro, as noites são frias, os dias, ensolarados, e não temos aqueles mormaços que estragam o trigo”, especifica. O produtor também investiu em aveia preta (20% da área), deixou uma área livre para plantar a soja do cedo (30%) e manteve uma parte das terras (20%) para plantas de cobertura e pastagem. 

Com recursos provenientes da última colheita de trigo, quando obteve 72 sacas por hectare, o agricultor abasteceu-se de insumos. “Não financiamos lavoura de inverno e fizemos seguro porque, estatisticamente, a probabilidade de perda é maior que na de verão”, assegura. A semeadura ocorreu de 12 e junho a 5 de julho, sem contratempos. O sobressalto veio ao vivenciar as melhores condições climáticas para as lavouras de inverno ao longo das suas quatro décadas de experiência. “Este ano é excepcional. Eu tinha previsão de que o clima ia ser bom, mas não imaginava que fosse tão bom”, confessa. Acostumado a colher, em média, 4.320 quilos de trigo por hectare, ele foi surpreendido pela marca de 97 sacas por hectare (5.820 quilos por hectare) logo no início da colheita. “Em quatro décadas de produção, nunca tinha conseguido atingir este patamar”, comemora. 

Como alcançou essa produtividade

A produtividade recorde de Costa Beber foi obtida em uma área de 103 hectares, onde plantou a cultivar TBIO Audaz, da Biotrigo. A mesma variedade também foi implantada em outra área de 100 hectares, cujo rendimento chegou a 85 sacas por hectare (5.100 quilos por hectare). “A cada ano, a mesma cultivar apresenta diferente resposta. É o terceiro ano que planto essa (que produziu 97 sacas por hectare). Não era a de maior produtividade, mas, este ano, acho que será”, projeta. A estimativa do produtor é que a safra deste ano feche com o rendimento médio entre 75 sacas e 85 sacas por hectare. Com uma qualidade igualmente excepcional, a remuneração pelo grão seguirá o PH acima de 80 obtido nesta safra. “Aqui na região, não pegamos chuva na floração. Então, não tivemos problema com giberela (fungo que prejudica o trigo)”, explica. 

Com 95% da área de trigo colhida, Beber revela que alcançou a média de 84,4 sacas do grão por hectare. O PH médio está em 830 gramas por litro, ou 83. “É a maior média por hectare da história!”, festeja. Este ano, a safra servirá à produção para sementes (30%) e será comercializada para a C. Vale e para a Cooperativa Tritícola Panambi (Cotripal), cooperativas das quais faz parte. E, assim como no ano anterior, parte ficará para reserva própria à semeadura de 2023. “A gente pode guardar a semente, mas todo ano adquirimos novas cultivares”, afirma. 

Beber atribui metade desse resultado à colaboração do clima, mas os outros 50% ao profissionalismo e competência no que fazem os triticultores. “Se fizer tudo certo, na hora certa, com capricho, com todos os manejos necessários, o produtor consegue chegar a altas produtividades. Mas, com o clima perfeito, a cultura consegue expressar seu máximo potencial”, pontua. É preciso também “acertar no alvo e não na mosca”, como ele mesmo compara. “Tem que fazer média, mitigar risco quanto a cultivares, à época de plantio, plantar mais de uma cultivar, usar mais de uma época de plantio”, aconselha.

Prejuízos da estiagem devem ser compensados

Conforme a Emater/RS-Ascar, além da colaboração do clima para que o Rio Grande do Sul tenha uma safra de trigo excepcional, deve ser considerado o alto nível tecnológico do triticultor gaúcho, que investe em adubação, controle de pragas e doenças, bem como em cultivares de alta qualidade. | Foto: Fábio Wottrich. 

Áreas do Rio Grande do Sul como a de Santa Rosa, de acordo com o escritório regional da Emater/RS-Ascar, ampliaram o plantio do trigo em mais de 100 mil hectares em relação às lavouras implantadas no ciclo de 2018.

A região Noroeste do Rio Grande do Sul é sempre um termômetro para a safra. Primeira que colhe e planta conforme o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), é também a que mais perde em casos de estiagem. Maior exemplo está nas quebras superiores a 50% na safra de milho e a 85% na de soja no último verão, conforme o gerente da Emater/RS-Ascar em Santa Rosa, José Vanderlei Battirola Waschburger.

Sob a iminente necessidade de reverter o quadro e sanar as finanças, os agricultores da região apostaram tudo na safra de inverno. E, da mesma forma que chegaram a extremas perdas no verão, obtiveram excepcionais rendimentos na produtividade do trigo. “A região de Santa Rosa registra um aumento de 11% tanto no volume quanto na qualidade do trigo colhido este ano”, declara Waschburger. A área contempla 300 mil hectares plantados com o grão em 45 municípios, 100 mil hectares a mais que em 2018. Também se destaca na produção leiteira e de suínos. O incremento da área de trigo decorre da esperança da safra de inverno, embora, reconheça o técnico, a cultura venha crescendo nos últimos anos.

Por que apostou na safra de inverno

Além de o clima do inverno ter favorecido o cultivo, Waschburger destaca o alto nível tecnológico empregado nas lavouras. A esse fato também é atribuído o feito de a maioria dos assistidos pela Emater/RS-Ascar na região ter atingido peso hectolítrico (PH) entre 78 e 82. “O clima é preponderante, mas o conjunto dos investimentos, como adubação, controle de pragas e doenças, escolha das melhores sementes, tudo contribuiu para o resultado”, avalia. Atualmente, 84% dos produtores da região Noroeste pertencem à agricultura familiar. O escritório regional da Emater/RS-Ascar Santa Rosa assiste 22 famílias, cujas áreas particulares variam entre 20 hectares e 30 hectares. “Alguns chegam até a cultivar mais de 100 hectares, mas arrendam área, pois têm estrutura, como trator, plantadeira e colheitadeira”, afirma o gerente. 

Um dos assistidos pela Emater/RS-Ascar é Elton Kulzer, agricultor familiar na região de Santo Cristo há 35 anos. Depois de perder todos os 40 hectares plantados com soja no último verão, apostou suas fichas na safra de inverno. Arrendou 48 hectares e, somando com os 24 hectares próprios, plantou 38 hectares com trigo e 34 hectares com canola. “Ano passado, foi a pior seca que a gente já pegou, o sol queimava tudo”, relembra. 

Com orientação técnica da Cooperativa Mista São Luiz (Copermil), Kulzer comprou adubos com antecedência. Usou recursos próprios, já que as cooperativas sinalizavam possível alteração dos preços, dada a guerra que acontece entre Rússia e Ucrânia. A obtenção do crédito oficial chegou com atraso, já que o subsídio aos juros de custeio do Plano Safra 2021/2022 para a safra de inverno foram liberados pelo governo federal após o início do plantio. “Conseguimos acessar o financiamento, mas alguns produtores não. Tiveram de usar capital próprio ou optaram em pagar juros mais altos”, comenta. 

Colocou os “ovos em duas cestas diferentes”

Com sementes adquiridas no mercado e via Coopermil, o agricultor investiu nas cultivares com maior potencial produtivo e adaptadas às condições ambientais e climáticas sob as quais produz. “A Coopermil disponibiliza resultados de ensaios e pesquisas próprias sobre o desenvolvimento e rendimento das sementes plantadas na região e, por ali, temos noção das que dão mais resultado e melhor se adaptam”, diz. Depois, colocou os “ovos em duas cestas diferentes” para não ficar totalmente dependente do clima. Metade da área foi semeada com variedade de ciclo precoce e metade com sementes de ciclo mais longo. 

Embora os custos estivessem altos, Kulzer manteve a terceirização do plantio assim como da colheita. E, juntamente com o pai, cuidou do manejo sanitário das lavouras. A retenção de verba ficou para o uso de produtos químicos diretamente nas sementes (inoculação). “A adubação foi realizada com o plantio. Vamos tentando reduzir custos de todas as maneiras”, aponta, ressaltando que os valores ao campo mais que dobraram de um ano para o outro. A compensação veio com a farta colheita de 77 sacas por hectare na variedade de ciclo precoce e de 87 sacas por hectare na de ciclo mais longo. Com PH do cereal situado entre 80 e 82, sua safra toda já está nos armazéns da cooperativa. Metade dos 9,8 mil quilos foi comercializada antecipadamente, em contrato alinhavado há dois meses, por preço “muito maior” que o ano passado, confessa o produtor sem revelar a quantia. Com o resultado financeiro, Kunzler quitará o empréstimo do Programa de Apoio à Agricultura Familiar (Pronaf), viabilizado pela Cresol. Já o destino dos outros 50% do grão ainda é incerto.

Estratégias para driblar os custos de produção

Primeiro plantio do produtor de Humaitá foi prejudicado pelo excesso de chuva, na segunda quinzena de junho, mesmo assim, a propriedade colheu em média 64 sacas de trigo por hectare, com alta qualidade | Foto:  Fábio Wottrich. 

O agricultor Fábio Wottrich, de Humaitá, na região Noroeste do Estado, reservou sementes e utilizou as vantagens ofertadas pela Cooperativa Tritícola Mista Campo Novo para comprar insumos com preço diferenciado.

Das extremidades climáticas peculiares da região Noroeste também entende muito bem o agricultor Fábio Jair Wottrich. Há quase meio século tocando os 97 hectares das lavouras de trigo, milho e soja localizadas no município de Humaitá, foi um dos que amargou perda de 70% na lavoura de soja que colheria em março passado. Com seguro somente para a área de milho, onde foi coberto pelo investimento, Wottrich também obteve crédito oficial para plantar trigo este ano. 

Enquanto via o sol do verão literalmente queimar as plantas de soja e milho, Wottrich pensava no inverno. Ainda em fevereiro conseguiu adquirir os insumos necessários ao trigo em uma feira local promovida pela Cooperativa Tritícola Mista Campo Novo (Cotricampo), da qual é integrante. “A feira durou três dias, mas consegui comprar o que precisava no primeiro dia. Quem acelerou conseguiu preço bom e ainda encontrou produtos disponíveis”, lembra. 

Todo o trabalho quase foi por água abaixo

Na época, já sabia quais as áreas iria utilizar para semear trigo, para as quais ainda tinha sementes da safra de inverno passada. “A gente colhe, classifica, embala e guarda sementes, pois é algo muito caro para comprar. O quilo está custando em torno de R$ 2,00 e R$ 3,00, mas, para plantar em um hectare, você precisa de 200 quilos de sementes, dependendo da cultivar ”, explica. O processo é possível porque, segundo o agricultor, o produtor é autorizado legalmente a reservar um percentual da colheita para semear na safra seguinte. No entanto, deve seguir as determinações do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), como não comercializar as sementes e, no ciclo anterior, ter adquirido variedades fiscalizadas. 

Após colocar a plantadeira em campo, Wottrich viu seu trabalho quase literalmente ir por água abaixo. “Plantei na segunda quinzena de junho, quando, logo no início, deu uma chuva muito forte. Não foi necessário replantar, mas já estragou um pouco o estande, faltou planta por hectare, prejudicou germinação, a planta que nasceu não veio muito bonita”, detalha. Mesmo assim, a plantação, dividida em várias glebas, desenvolveu-se bem, apesar de o processo ter terminado somente no início de julho. “Plantaríamos isso em sete dias se não tivesse chovido tanto”, avalia. 

 Houve muita chuva, faltou planta, faltou espiga de trigo para ter rendimento

A média de rendimento da propriedade ficou, ao total, em 64 sacas de trigo por hectare. “Meus vizinhos tiraram de 75 sacos a 80 sacos por hectare. Meu rendimento foi menor porque tive problemas na emergência das plantas. Houve muita chuva, faltou planta, faltou espiga de trigo para ter rendimento”, relata. Contudo, o resultado é considerado bastante satisfatório, já que somente havia sido atingido pela propriedade em 2013. “É um espetáculo de trigo, de cor, de sanidade de grão, e o PH de quase todos está em 82 e 83, o que melhora o preço na venda”, comemora. 

A produção já foi para os armazéns da Cotricampo, por meio da qual a família recebeu insumos para a lavoura de soja como parte da remuneração. “Ao invés de eu tirar do bolso e comprar o que preciso para plantar a safra de verão, faço uma troca”, diz. O processo é este até meados de dezembro. Em janeiro, deve se iniciar o pagamento do custeio, quando, segundo ele, deve ser acionado para tratar sobre o financiamento da próxima safra de inverno. “Eles já me perguntam que quantia vou precisar para financiar a próxima plantação”, detalha. O pagamento do custeio também ocorre via Cotricampo. A cooperativa comercializa parte da produção de Wottrich – que já está em seus armazéns – e o liquida diretamente com o banco. “Lá por janeiro é que a gente começa a receber pelo trigo em dinheiro”, finaliza.

Atenção dos mercados à safra gaúcha de trigo

A boa qualidade do grão colhido no Rio Grande do Sul e a disponibilidade de volume, estimado em mais de 5 milhões de toneladas, diante da quebra de quase 50% na safra do cereal na Argentina, devem assegurar boa comercialização 

Alguns consultores e dirigentes setoriais já vinham anunciando que a safra de trigo gaúcha não só seria recorde, mas que surpreenderia expectativas quando, aos 11 dias de outubro, a Emater-RS/Ascar anunciou sua tradicional revisão ao prognóstico produtivo divulgado durante o plantio do ciclo inverno. De um para o outro, viu-se a área plantada subir de 1,41 milhão hectares para 1,45 milhão de hectares; a produtividade média sair de 2,82 mil quilos por hectare para 3,32 mil quilos, e a produção total estadual estimada em 4,68 milhões de toneladas, ante a projeção de 3,99 milhões de toneladas no relatório anterior. 

As previsões do mercado

A perspectiva de produção, calcada em dados concretos, coletados pelos escritórios regionais após a implantação de todas as lavouras, apontava uma colheita 32% maior que a consolidada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na safra 2021/2022. Enquanto isso, analistas e líderes setoriais já disparavam a expectativa de colheita superior a 5 milhões de toneladas. 

Hamilton Jardim, presidente da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva das Culturas de Inverno do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e coordenador da Comissão de Trigo da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) foi um deles. Mais recentemente, projetou inclusive uma atualização para a última estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). “Insisto em um número maior que o divulgado pela Conab (4,56 milhões de toneladas ante 3,49 milhões colhidas em 2021). Acredito que eles deverão ser revistos, mas, independente disso, cravo uma safra próxima a 5 milhões de toneladas ao trigo”, sentencia. A colheita vem acompanhada de uma qualidade acima dos parâmetros vistos até agora, o que referenda o produto gaúcho a abastecer os mais exigentes mercados destinados à panificação. Na opinião de Jardim, o produto “será altamente disputado ao longo da safra”. Os resultados médios qualitativos apontam, segundo a Emater para PH superior a 78. O número, por si só, já é o balizador oficial de qualidade ao grão e, segundo a associação, denota um resultado satisfatório. Porém, há registros de PH até 84 , ou seja, “de excelente rendimento industrial”, aponta o relatório. 

Com excepcional quantidade e inédita qualidade, a produção gaúcha passou a figurar no topo da lista dos mercados abastecedores dos moinhos brasileiros. A atenção cresceu principalmente a partir da última semana de setembro, quando a sequencia ininterrupta de chuvas fixou-se no Paraná. Desde então, o estado vizinho assiste à crescente perda de qualidade na safra, inicialmente projetada em 4,2 milhões de toneladas, diz o consultor da Safras & Mercados Élcio Bento. “Praticamente 50% do trigo tipo 1 foi prejudicado, gerando muito volume excedente aos tipos 2 e 3. Ambos ainda são usados pelas moageiras, não vão para ração ainda”, ressalva. Ao produtor, no entanto, a remuneração por ambos, atualmente, está na casa de R$ 400 a menos, por toneladas, na comparação com o cereal de qualidade superior (tipo 1). “Enquanto o produtor vende a tonelada do tipo 3 a R$ 1,45 mil, chegando, no máximo, a R$ 1,5 mil, comercializa a do tipo 1 a R$ 1,9 mil”, exemplifica o consultor. 

A situação da vizinha Argentina

Outra opção para abastecer a indústria estaria na Argentina, não fosse a escassez hídrica e as geadas trazidas pelo La Niña durante o cultivo deste ano. De acordo com o último Relatório Nacional de Estimativas Mensais da Bolsa de Comércio de Rosário (BCR), a safra argentina, cuja colheita recém iniciou, deverá se configurar como a pior dos últimos sete anos. A perspectiva da BCR é fechar este ciclo com 11,8 milhões de toneladas ante os 21,6 milhões de toneladas contabilizadas no anterior, “um recorde absoluto”, conforme o analista de mercado. Desta forma, com a produção reduzida praticamente à metade, o país vizinho não conseguirá abastecer tradicionais mercados importadores, dentre os quais, o Brasil. “Ano passado, o Brasil comprou 6 milhões de toneladas de trigo no mercado internacional, sendo 90% proveniente da Argentina”, lembra Bento. 

Com produção gaúcha estimada entre 5,1 milhões de toneladas e 5,5 milhões de toneladas, conforme a consultoria Safras & Mercado, Bento acredita que a formação de preço ao produtor gaúcho, nesta safra, dependerá tanto do mercado internacional como da demanda paranaense. “Hoje, o mercado demanda o trigo gaúcho a R$ 1,75 mil a tonelada no porto, mas paga R$ 1,6 mil internamente, enquanto, no Paraná, o valor chega a R$ 1,9 mil”, indica. E conclui: “Essa grande diferença se dá por conta da super safra gaúcha. O produtor é que decidirá onde colocará o excedente, se no mercado internacional ou em outros estados”, conclui.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895