Parque Harmonia: arquiteto diz que projeto foi descaracterizado após aprovação

Parque Harmonia: arquiteto diz que projeto foi descaracterizado após aprovação

Profissionais denunciaram mudanças indevidas ao Ministério Público e Conselho de Arquitetura e Urbanismo

Matheus Chaparini

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O projeto de reforma que está sendo executado no Parque Harmonia não é a proposta original que foi aprovada pelo Conselho do Plano Diretor e autorizada pela prefeitura de Porto Alegre. A afirmação é do arquiteto Alan Cristian Furlan, ex-diretor do consórcio e um dos responsáveis pela elaboração do projeto de reforma.

De acordo com Furlan, o consórcio Gam3 Parks, concessionário da área pública, modificou o projeto indevidamente e sem a autorização dos autores. Ele afirma que a situação desrespeita a lei de direitos autorais e burla a autorização concedida para a obra.

O conceito original, explica o arquiteto, mantinha a topografia do Parque, sem o aterramento e nivelamento que estão sendo realizados. Além disso, o projeto mantinha a arborização do local. “As imagens que vi são bem tristes. Fizeram uma terra arrasada, estão planificando tudo e o impacto fica maior que o normal”, avalia.

Em setembro do ano passado, o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA), conhecido como Conselho do Plano Diretor, aprovou o Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) do projeto elaborado por Furlan e pela arquiteta Eliana Castilhos, uma das principais etapas da tramitação de projetos como este.

“Tenho certeza absoluta de que o projeto que está sendo executado não foi o que teve aprovado o EVU. Se olhar por cinco segundos o lago vai ver que não é o mesmo projeto”, garante Furlan. Ele afirma que o projeto original previa um lago com a função de bacia de amortecimento. “O que vimos é que encheram de taludes no local e fizeram várias áreas mais afundadas. Isso vai gerar um problema que quando chover não vai dar para usar o parque.”

O arquiteto afirma que, pela lei de direitos autorais, nenhuma modificação de projeto pode ser realizada sem a aprovação dos autores. As modificações, consideradas nocivas ao projeto, levaram a uma denúncia formal ao Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul. O Conselho confirma o recebimento da denúncia.

As informações foram levadas também à promotora de defesa do Meio Ambiente do Ministério Público Estadual, Annelise Steigleder, pelo profissional, juntamente com o vereador Aldacir Oliboni (PT) e as entidades ambientais Ingá Estudos Ambientais, Acesso e Atuapoa. O grupo se reuniu com a promotora na tarde dessa quinta-feira (6). Mais cedo, a promotora havia vistoriado o local. Ela afirmou que o maior impacto da obra já ocorreu e que foram cortadas 102 árvores.

“O Ministério Público seguirá fiscalizando, especialmente no sentido de acompanhar o cumprimento das medidas de mitigação e compensação e recomposição da área, que foi bastante alterada em virtude dessa necessidade de drenagem”, afirmou.

A reportagem entrou em contato com o consórcio GAM3. Sobre Furlan, a assessoria de imprensa do consórcio afirmou que “trata-se de ex-diretor, que não representa a companhia, em conflito societário. Toda a legislação está sendo rigorosamente cumprida.”

Em relação às supostas mudanças no projeto, a assessoria preferiu não se manifestar.

“Tem que ser executado exatamente o que foi aprovado”, diz CAU

Presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), o arquiteto Tiago Holzmann recorda que foi somente após muita discussão que o projeto foi aprovado pelo CMDUA, “que é um ambiente super rigoroso nessa discussão técnica e política” e que foi licenciado pelo município.

“Então tem que ser executado exatamente o que foi aprovado. Se estiverem executando algo diferente do projeto original, isso é bem grave, porque burla uma regra. O município tem que fiscalizar para que seja executado o que ele licenciou. Imagina se eu tenho autorização para construir um edifício de cinco andares e construo um de de dez andares, é totalmente fora da lei", explica.

Para Holzmann, o caso ganha mais gravidade em função da relevância do projeto e de toda a polêmica que cercou a concessão da área pública. “Além da barbaridade que estão fazendo, cortaram as árvores, vão asfaltar o parque. Vai absolutamente contra qualquer conceito de parque que possamos encontrar em qualquer lugar. Parque é árvores, parque não é asfalto.”

De acordo com Holzmann, caso sejam confirmadas as denúncias, o município deveria embargar a obra imediatamente.

"Fizeram uma terra arrasada, estão planificando tudo", lamenta um dos arquitetos responsáveis pelo projeto | Foto: Ricardo Giusti

 

Prefeito diz que tudo está no contrato

Já o prefeito Sebastião Melo, em entrevista à Rádio Guaíba nessa quinta-feira (6), defendeu a continuidade das intervenções, que, de acordo com ele, já haviam sido previstas no projeto. “Vírgula por vírgula, timtim por timtim do que está acontecendo ali está dentro do contrato. Esse contrato passou pelo Tribunal de Contas, teve duas audiências públicas, se teve vereador que não quis participar das audiências eu respeito também, mas deveria ter dado as suas contribuições na hora em que isso aconteceu. Nós assinamos o contrato e vamos prestar todas as informações à Câmara de Vereadores”. Melo ainda citou outras obras que também tiveram apelo ambiental e que hoje usufruídas pela população, como a ampliação da avenida Padre Cacique, e o Pontal.

“Estamos diante de um fato grave”, diz vereador

Oliboni, que é vice-presidente da Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam) da Câmara Municipal, afirma que "não se trata de sermos contrários ao acampamento farroupilha ou à modernização da cidade". Segundo ele, a comissão exige respeito à legislação e ao meio ambiente. "Se nem o arquiteto autor do projeto original concorda com as modificações feitas pela empresa sem sua autorização, estamos diante de um fato grave", avalia o vereador.

Já Paulo Brack, professor do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e coordenador do Ingá Estudos Ambientais, afirma que as obras geram mortes de animais e a migração da fauna local para outras regiões. Afirma ainda que nenhum laudo sobre a fauna e flora local foi apresentado até o momento.

Comissão de vereadores fará visita

Na próxima terça-feira (11) a Cosmam visitará o local. A Comissão cobrará também a apresentação imediata de todos os estudos, laudos e as modificações realizadas pela empresa no projeto original.

Na terça-feira (4), a Cosmam e o Ingá anunciaram um pedido ao Executivo municipal para que as obras sejam paralisadas. Oliboni afirmou que o parque está sendo descaracterizado e que há uma “destruição ambiental” ocorrendo no local. 


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895