Já era esperado. Após o governador Eduardo Leite (PSD) anunciar o início da concessão do bloco 1 de rodovias e o edital de concessão do bloco 2, os deputados de oposição tanto à direita quanto à esquerda já começaram suas investidas contra.
Nesta terça-feira, em coletiva de imprensa onde as concessões foram detalhadas, o governo defendeu o repasse como a única maneira de garantir que as rodovias estaduais recebam os investimentos no montante previsto (cerca de R$ 6 bi cada bloco). Sobre o uso de recursos do Fundo de Reconstrução (Funrigs) nas concessões, Leite argumentou que as estradas de ambos os blocos precisam de obras de resiliência e reconstrução.
Ao longo da quarta-feira, parlamentares aproveitaram para abordar o assunto durante a sessão da comissão de Economia, visto que, à tarde, a pauta foi tomada pela megaoperação policial no Rio de Janeiro contra o Comando Vermelho (CV), que resultou em mais de 120 mortos.
Em fala, Halley Lino (PT) relembrou a análise do Tribunal de Contas (TCE-RS) sobre o bloco 2. “A gente precisa se dar conta do que está acontecendo. O TCE apontou mais de 50 ilegalidades, o governo rebateu 15. E ainda há mais de 30 itens a serem desconstituídos”, disse.
Segundo o deputado, o problema não é a concessão em si, mas a forma como o processo está sendo conduzido. “O problema é que está caro. É muito dinheiro público, a forma de remuneração está errada e as pessoas vão pagar caro.”
Na mesma oportunidade, o deputado Rodrigo Lorenzoni (PP) reforçou a tese de que o problema não é o repasse à iniciativa privada, mas os moldes em que está sendo feito. “O que estamos vendo é algo imposto, truculento, sem diálogo e sem transparência. Não sabemos qual é o verdadeiro objetivo por trás dessas concessões, mas temos certeza de que o interesse público não é o foco”, criticou.
“A base de uma concessão é o investimento privado para viabilizar um serviço que o governo não consegue prestar. O empresário aplica seus recursos, assume o risco e, ao longo do tempo, recupera o investimento por meio da cobrança de pedágio. No caso dos blocos 1 e 2, o governo está entregando dinheiro público a uma empresa privada que terá três anos para iniciar as obras, contará com recursos de pedágio e não assumirá risco algum. É um modelo completamente distorcido”, reforçou Lorenzoni.
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As discussões continuaram nesta quinta-feira, desta vez na tribuna. Para o líder da bancada do PT, Miguel Rossetto, a concessão, da forma como está proposta, resultará em problemas econômicos para o Estado, visto que os pedágios devem encarecer o custo logístico. “Inviabiliza aquilo que mais queremos para o Rio Grande, que é o crescimento econômico”, afirmou, após classificar Leite como o “rei dos pedágios”.
“Se o governador Antônio Britto entrou para a história como o governador dos pedágios, com 31 pedágios, Eduardo Leite, com 58, assume o reinado. É o rei dos pedágios. Pedágios caros e injustificáveis”, destacou.
Em seguida, o deputado do Podemos, Cláudio Branchieri, que já está de malas prontas para migrar para o PL, deu gás a parte das acusações feitas por Rossetto. “Não concordamos 100% no assunto, mas concordamos 90%”, disse o deputado, que normalmente é frontalmente contrário aos parlamentares de esquerda.
Após uma série de críticas diretas ao secretário de Reconstrução, Pedro Capeluppi, ele retomou a discussão sobre a análise feita pelo TCE-RS. Segundo Branchieri, o governador não explicou por que o custo do quilômetro é de R$ 0,19 e não R$ 0,17, como recomendou a Corte. Ao retornar à tribuna em outra oportunidade, aproveitou para criticar o valor que será aportado pelo Piratini nas concessões (R$ 1,5 bi em cada, totalizando R$ 3 bilhões).
Em um movimento que foge à regra, o presidente da Assembleia, Pepe Vargas (PT), também foi à tribuna para falar da proposta. Para ele, o repasse à iniciativa privada, como está proposto, deve prejudicar a economia gaúcha, que já paga pela sua distância dos grandes centros do país.
“Na esteira do que o deputado Rossetto e o deputado Branchieri levantaram, o problema da modelagem feita aqui no Rio Grande do Sul é que a empresa de advocacia que faz o assessoramento dessa modelagem e a empresa de engenharia que a executa são prestadoras de serviço das concessionárias de rodovias. Então, a visão não é de interesse público. A visão é da maximização do lucro excessivo das concessionárias. Por isso, o pedágio é caro e há pouco investimento”, classificou.
Além do discurso
Em busca de uma tentativa de reação que vai além do discurso, os deputados de oposição ensaiam, nos bastidores, a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as concessões. A pauta une partidos de ambos os campos ideológicos: do PL ao PT.
Em agosto deste ano, movimento semelhante resultou na instalação, após um ano de sua proposição, da CPI das Concessionárias de Energia.
Outra alternativa pleiteada é a aprovação de um pedido de convocação para Capeluppi na comissão de Economia, presidida pelo deputado Gustavo Victorino (Republicanos).
Sem aval Legislativo
O repasse de rodovias à iniciativa privada não depende de aval Legislativo desde 2015, quando a Assembleia Legislativa aprovou a proposta que retirou essa prerrogativa do Parlamento.
Isso não impede, contudo, que os deputados contrários à medida tentem se mobilizar para barrar as concessões.
E a pressão, por vezes, funciona: foi o que aconteceu com o bloco 2, quando aliados do governador começaram a se manifestar contra o modelo planejado pelo Estado de forma pública. Esse foi um dos fatores que levou o Executivo a rever a proposta de concessão e apresentar uma nova alternativa, com um maior aporte público (R$ 1,5 bilhão) e uma tarifa reduzida (R$ 0,19 por km).
Atualmente, três projetos tramitam na Casa com o objetivo de retomar para Legislativo essa competência.