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Citricultura dá suporte a mercado de óleos

Utilizados na perfumaria e em outros segmentos, essências de frutas como a bergamota, o limão e a laranja têm demanda internacional segura

Os óleos essenciais se destacam no mercado de bem-estar como um produto utilizado em técnicas de aromaterapia, cujos benefícios vêm sendo estudados no meio científico
Os óleos essenciais se destacam no mercado de bem-estar como um produto utilizado em técnicas de aromaterapia, cujos benefícios vêm sendo estudados no meio científico Foto : shutterstock

Nos últimos 15 anos, a plantação de bergamotas da família Krug, localizada em Montenegro, na região gaúcha do Vale do Caí, teve um salto de produção. O crescimento se deu principalmente por conta dos investimentos feitos pelo casal Elísio e Carmen, que ganharam reforço e segurança com a entrada dos filhos no negócio familiar. “Eles falaram que queriam nos ajudar na propriedade, então aí é que nós começamos a investir mais em plantação nova. Nós conseguimos fazer toda a logística entre plantar, colher e vender. Com isso a gente também agrega valor", conta Krug.
Formados em Agronomia e Administração, os irmãos Cássio e Samuel passaram a ajudar a família e, assim, escalaram a área de plantio, com técnica de manejo da terra, gestão de processos e controle financeiro. A família planta diferentes variedades de bergamota, o que garante renda para o ano todo.
“A cada ano, a cada etapa, era sempre um ganho. Consegui aplicar o que estava estudando e o aprendizado foi dobrado, porque estudava e aplicava, via a realidade mesmo. O maior problema é sempre o nutricional, porque uma planta é que nem um corpo humano, um corpo bem nutrido, saudável nutricionalmente, não tem doença, não tem déficit. Então fizemos adubação, calagem, calcareamento, e daí foi um ganho muito maior na produção”, contou o agrônomo Samuel.

Família de produtores de bergamota de Montenegro-RS, Elício e Carmen Lúcia Krug, e os filhos Cássio e Samuel Krug | Foto: Priscila Aihara / dōTERRA

A história da família Krug tem como pano de fundo a economia próspera do Vale do Caí na produção de frutas cítricas. Montenegro é o município que mais produz bergamota na região, enquanto o Vale do Caí concentra aproximadamente 33% da produção de citros de todo o Rio Grande do Sul. Segundo a Emater/RS-Ascar, em 2024 os produtores do município colheram cerca de 60 mil toneladas da bergamota montenegrina, além de 5,5 mil toneladas de laranjas e 400 toneladas de limões. A área plantada de citros em Montenegro chega a 3.330 hectares, dos quais 3 mil são dedicados à bergamota.
A bergamota montenegrina é originária do próprio município, diferenciada pelo ciclo tardio (colhe-se por volta de agosto) e pela doçura inconfundível. A variedade é destaque na produção de citros no Vale do Caí, pois surgiu de uma mutação espontânea identificada em 1940. Hoje, é a segunda mais cultivada no Estado, reconhecida pelo sabor adocicado e pela qualidade. Com ampla procura, a fruta é disputada em diferentes mercados, tanto para consumo de mesa, no setor de hortifruti, como pelos mercados de óleos essenciais, cosméticos, sucos concentrados e na indústria alimentícia em geral.

Fundada em 1973, uma das empresas de fomento da citricultura no Vale do Caí é a BioCitrus. Sua produção começou com sucos concentrados, iniciando, de forma pioneira, a partir de 1984, a produção de óleos essenciais. Atualmente, é a principal produtora de óleos essenciais cítricos do país, com quase 70% da produção destinada ao mercado internacional. Ainda na década de 1980, o pai de Elísio já fornecia carregamentos de limões para a agroindústria, mas com a bergamota a produção aumentou.
A matéria-prima para a fabricação dos óleos cítricos vem de um processo de manejo dos pomares denominado raleio. Nele, o produtor sacode as árvores para retirar o excesso de frutos verdes para propiciar que aqueles que permaneçam no pé cresçam e amadureçam com maior calibre (tamanho). Neste ano, no primeiro semestre, os produtores chegaram a receber R$ 20 pela caixa da fruta verde, preço que se previa maior, mas que acabou caindo em razão da grande produção.

Bergamota na fase denominada raleio, fase em que é vendida para a produção de óleos essenciais | Foto: Priscila Aihara / dōTERRA

“Aqui na região a gente tem cerca de 1.500 produtores. Mas hoje temos em torno de 13.000 citricultores de outras regiões. Então, a gente processa frutas de Santa Catarina e de São Paulo, por exemplo. Hoje, tudo que tu imagina que tem algum aroma, alguma fragrância cítrica, tem um pouquinho de óleo essencial ou de suco”, relata a gerente de comercial da BioCitrus, Patrícia Gregory.
Entre 2020 e 2022, o setor de bem-estar movimentou cerca de 5,6 trilhões de dólares globalmente, atingindo uma alta de 12%, segundo levantamento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). No Brasil, o mercado chegou a aproximadamente 96 bilhões de dólares no mesmo período, com destaque para os segmentos de cuidados pessoais e alimentação saudável.
Os óleos essenciais se destacam no mercado de bem-estar como um produto utilizado em técnicas de aromaterapia, cujos benefícios vêm sendo estudados no meio científico. A prática foi adotada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, em 2018, como uma das Práticas Integrativas e Complementares, e já acompanha tratamentos clínicos no alívio de sintomas como estresse, ansiedade e depressão, por exemplo.
O Mapa de Evidências sobre a Efetividade Clínica da Aromaterapia, sistematizado pelo Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa (CABSIN) e o Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde (Bireme/Opas/OMS), com o apoio da Coordenação Nacional de Práticas Integrativas e Complementares de Saúde do Ministério da Saúde, discorrem sobre a ação terapêutica de pelo menos 77 óleos essenciais identificados com fins terapêuticos. Dentre eles estão a lavanda verdadeira (Lavandula angustifolia), a Rosa damascena, Tea Tree (Melaleuca alternifolia), Eucaliptus globulus e o Alecrim (Rosmarinus officinalis).

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Carregamento de bergamotas montenegrinas | Foto: Priscila Aihara / dōTERRA

Os óleos cítricos do Sul do Brasil são matéria-prima de destaque no mercado de cosméticos. Um dos principais parceiros da BioCitrus é a marca de produtos de beleza e aromaterapia doTERRA. “A gente considera a doTERRA como um dos nossos clientes mais importantes, embora o volume dos óleos comprados por eles não seja tão grande, representa mais ou menos 5% da nossa produção. Mas entendemos que a aromaterapia é um setor diferenciado”, ressalta o diretor da BioCitrus, Mattia Misitano.

A gerente comercial da BioCitrus, Patrícia Gregory e o diretor da fábrica BioCitrus, Mattia Misitano, que processa e fornece óleos essenciais de bergamota para a dōTERRA | Foto: Priscila Aihara / dōTERRA

A empresa norte-americana do setor de bem-estar, especializada no desenvolvimento de cosméticos e óleos essenciais à base de produtos naturais, possui fábricas nos Estados Unidos, Brasil e Irlanda. A fábrica brasileira está localizada em Joinville, no estado de Santa Catarina, mas a empresa tem relações comerciais em diversos estados, com uma curadoria diversificada de matérias-primas, usadas na produção de cosméticos e blends de óleos essenciais. “Nós completamos dois anos, no último mês, que a fábrica está em operação no Brasil. A gente tem uma capacidade de produção de mais de 1 milhão de frascos de óleos por mês, se necessário. A gente tem um grande volume que sai do Brasil e vai para os Estados Unidos ou para a Irlanda. A quantidade que nós utilizamos aqui para nossa região acaba ficando para cá, mas 85% a 90% (do que é produzido no Brasil) é exportada”, relata o diretor de operações da empresa na América Latina, Erick Parronchi.
O relacionamento da doTERRA com a BioCitrus, de Montenegro, e os óleos cítricos do sul do Brasil iniciou em 2018. A empresa norte-americana já trabalhava com citros de São Paulo, região conhecida por uma produção de larga escala, mas foi conquistada pela qualidade das frutas gaúchas do Vale do Caí. Diferentemente de São Paulo, a produção gaúcha é pulverizada por pequenos produtores rurais. Somente um produtor de bergamota de São Paulo entrega o volume de cem produtores gaúchos, diz Parronchi, “porém aqui (no RS) a qualidade é muito maior, não se compara”, destaca ele.

Diretor de operações da doTERRA na América Latina, Erick Parronchi | Foto: Priscila Aihara / dōTERRA

Conforme o relato do produtor Elísio Krug, a entrada de consumidores como a doTERRA na cadeia produtiva de citros da região do Vale do Caí contribuiu para a valorização dos agricultores, uma vez que a fabricação de óleos essenciais demanda um volume de frutas elevado e possui alto valor agregado.
Para se ter uma ideia, uma tonelada de bergamota verde rende em torno de quatro quilos de óleo essencial. No caso da montenegrina, por exemplo, a reserva de frutas para a produção de óleo é bem remunerada, já que precisa concorrer com a demanda de frutas de mesa para supermercados. “Quando entrou a doTERRA mudou bastante o valor também que era agregado. Vamos dizer que a empresa estava pagando um 'valor x' e ela quase praticamente dobrou o valor. Hoje, a nossa região é rica. Se tu andar no nosso interior aqui, ele é fora do normal perto das outras regiões. É muito próspero. Isso tudo vem através da citricultura”, ressaltou Krug.
Segundo o diretor de marketing e vendas da doTERRA, Maurício Patrocínio, hoje o Brasil é o quinto maior consumidor de óleos essenciais da marca, que está presente em mais de 100 países, figurando como uma das principais indústrias de óleos essenciais do mundo. Segundo um levantamento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), dados de comércio exterior mostram que o Brasil é um grande produtor de óleos essenciais, tendo representado cerca de 7,4% da exportação mundial desse produto em 2023, atrás apenas de Índia (15,4%) e dos EUA (12,1%), faturando 476,6 milhões de dólares.
Dentre os principais produtos exportados, estão os óleos essenciais de laranja, limão, lima e outros cítricos. Patrocínio ressalta que a alta no consumo de óleos essenciais no país ocorreu durante e após o período da pandemia, com o crescimento do interesse em práticas de saúde e bem-estar.