Jumentos viram atração na Expointer 2023

Jumentos viram atração na Expointer 2023

Depois de 34 anos, animais da raça Pêga voltaram a participar da Expointer. Jumentos fazem parte da biodiversidade brasileira, mas estão sob risco de extinção, segundo o Ministério de Meio Ambiente

Camila Pessôa

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Eles se manifestam com "inhon, inhon, inhoon". O zurrar dos jumentos, também chamado de ornejar, atraiu centenas de visitantes curiosos na Expointer 2023. Há 34 anos, a espécie de equídeos não participava da exposição, mas não por falta de tentativa, relata o criador, Herman Martini, que trouxe a Esteio animais da raça Pêga. "Já era um sonho antigo nosso trazer a tropa para cá, mas nunca chegávamos na pessoa certa para conseguir", diz Martini, proprietário do Criatório Campeãs da Gameleira, de Morro Alto, São Paulo. "Ano passado, viemos assistir o Freio de Ouro. Comecei a conversar com o pessoal e fui arrumando um caminho para expor", conta Martini. 

Como esperado, os frutos do esforço do criador vieram com a receptividade do público. "As pessoas estão recebendo os jumentos de uma maneira inacreditável, a jumentinha pequena com a mãe faz um sucesso gigantesco entre as crianças", comemora. A Pêga é a principal raça de jumentos no Brasil, são animais que atingem cerca de 1,20 metro de altura, com ossatura forte, pelagem fina e temperamento dócil, conforme definição da Associação Brasileira de Jumentos Pêga. 

O principal propósito da criação dos animais no Campeãs da Gameleira é vendê-los para participar de provas de marcha, que costumam premiar os melhores com dinheiro, carro ou moto. Os jumentos reproduzidos com essa finalidade são os que têm maior valor agregado. “Os grandes reprodutores chegam a valer entre R$ 1 milhão e R$ 2 milhões. Você os vende para o fazendeiro fazer burro e mula em casa”, explica Martini. 

Outra finalidade, secundária, é cruzá-los com equinos para dar origem às mulas, animais híbridos, utilizados tradicionalmente em diferentes regiões, e em especial no Sudeste, para montaria e tração. As mulas têm entre suas características a rusticidade, a robustez e adaptabilidade. No Campeãs da Gameleira são produzidas tanto as mulas de sela, para montaria, quanto as mulas de serviço. Também há diferenciação entre as mulas para a montaria do patrão, mais rápidas e com um couro mais macio, e aquelas usadas para o desempenho das atividades campeiras do dia a dia. 

"Temos a maior bovinocultura do mundo, ela é extensiva e o Brasil é um país tropical, então o cavalo tem muito mais dificuldade de resistir a esse serviço do que o burro", esclarece Martini. É para essa função, de tocar o gado e percorrer fazendas, que a raça vem sendo aprimorada desde 1810, quando o padre José Maria Torquato iniciou uma criação de jumentos nacionais selecionados em sua fazenda, na Serra do Camapuã, em Entre Rios de Minas, município de Minas Gerais.

História da raça Pêga no Brasil 

De acordo com a história contada pela Associação Brasileira dos Criadores de Jumento Pêga, Torquato começou com diversos cruzamentos entre as raças italiana e egípcia e, então, acasalou os melhores exemplares resultantes dessa primeira seleção. Porém, o berço mais conhecido para a raça Pêga não é Entre Rios de Minas, mas sim Lagoa Dourada, também no estado de Minas Gerais.

Habitante do município, o Coronel Eduardo José de Rezende comprou, em 1847, dois machos e sete fêmeas de Torquato. Ele continuou o melhoramento da raça, além de fazer um trabalho de padronização e ampliação da tropa. E Martini, com seus conhecimentos de 61 anos de vida, 54 de lida com a tropa e 25 de criatório, completa a história. "Para cada um dos filhos que esse coronel tinha, ele deu sete jumentas e um jumento, para que eles continuassem desenvolvendo a raça na região da Lagoa Dourada. E assim foi feito", relembra. A Pêga se destaca por um porte bem acabado de frente, beleza zootécnica e andamento marchado. "Foram divulgando isso pelo Brasil e a tropa se expandiu por todo o país", diz Martini.

Polêmica no tratamento dos jumentos

O tratamento dado aos jumentos no país, entretanto, é cercado por polêmicas. Mesmo sendo um animal de grande valor para o trabalho, a população vem declinando. Segundo dados do IBGE, em 2011, o país contava com um plantel de 974.688 animais. Em 2017, foram contabilizados 376.876 exemplares no país, queda de 38% em seis anos.

Considerado símbolo religioso, já que, conforme a Bíblia, foi o meio de transporte da Sagrada Família, e muito importante para a cultura nordestina, há inúmeras iniciativas de proteção ao jumento, principalmente, para proibir o abate e a exportação do couro do animal, utilizado na fabricação de ejiao, uma substância tradicional da medicina chinesa. Um projeto de lei, de autoria do deputado Ricardo Izar, do PP de São Paulo, tramita desde 2019 na Câmara de Deputados. A proposição torna o jumento (Equus Asinos) patrimônio nacional e proíbe o seu abate em todo o território.

Em audiência pública realizada em junho na Câmara de Deputados, a coordenadora do Departamento de Direitos Animais do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Vanessa Negrini, alertou para a aceleração do processo de extinção dos jumentos, fato que, segundo ela, prejudica a biodiversidade brasileira. Vanessa acrescentou que a pasta está trabalhando em parceria com o governo baiano para estabelecer um acordo e, a partir dele, produzir soluções para acabar com o abate dos asnos. A ideia, disse ela na ocasião, é que se desenvolvam pesquisas na área de zootecnia celular, para se produzir um estoque de ejiao, o colágeno do jumento, que é a parte valorizada, sem a necessidade do abate. De acordo com a coordenadora, o Brasil tem uma demanda anual de 4,8 milhões de peles de jumento, a um custo de 4 mil dólares cada pele.


Correio do Povo
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