Crise dos 30: como a pressão social e a autocobrança afetam as mulheres nessa fase

Crise dos 30: como a pressão social e a autocobrança afetam as mulheres nessa fase

Cobrança relacionada à maternidade, ao casamento e ao sucesso profissional coloca as mulheres em uma “corrida contra o tempo”

Brenda da Rosa

Ter 30 anos passa a significar um momento de muitas decisões para as mulheres

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Em 2012, a solista Sandy cantava sobre uma experiência coletiva que toca diretamente as mulheres em qualquer lugar do mundo: completar 30 anos. Na época, a música “Aquela dos 30” representava marcos importantes para a artista, sendo um deles o segundo trabalho sem o irmão, um projeto com quatro composições autorais e que, segundo Sandy, foi lançado porque ela se sentia madura para tal.

“Hoje já é quinta-feira
E eu já tenho quase trinta
Acabou a brincadeira
E aumentou em mim a pressa
De ser tudo o que eu queria
E ter mais tempo pra me exercer”

No Brasil, todo indivíduo entre os 15 e 29 anos é considerado jovem, conforme estabelecido no Estatuto da Juventude. Ainda, segundo o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a idade mediana do Brasil corresponde a 35 anos de idade.

Isso coloca os trinta anos em um espaço curto de tempo para que ele não seja mais considerado como um período jovem da vida. Apesar disso, é uma idade questionada ou comumente apontada como “velha” no audiovisual, livros e músicas, em especial quando identificada em mulheres.

Em filmes como “De repente 30” (2004), onde a premissa é uma adolescente que acredita que tudo melhora quando “trintar”, a tensão é ilustrada em dois momentos da vida da personagem: na adolescência, pela pressa de conquistar a identidade “adulta”, e na fase adulta, por querer retornar à adolescência. Na vida real, essa tensão é popularmente conhecida como “crise dos 30” e também se torna um incômodo na vida de mulheres anônimas.

Para a jornalista e escritora Juliana Sonsin, 31 anos, o desconforto parte justamente de circunstâncias exteriores. “Acho que não fomos ensinadas a envelhecer de um jeito saudável. Quando você passa dos 30, é natural que seu corpo mude, por exemplo, mas a sociedade cobra para que você tenha o mesmo corpo dos vinte”, relata.

Juliana Sonsin, 31, tutora de gatos e escritora | Foto: Arquivo pessoal / CP

Jacquelline Jorge, 32, também acredita que fenômenos sociais influenciam o jeito que ela enxerga a jornada dos trinta. “Para a mulher que chega aos trinta, é sempre aquilo: ‘já está com emprego bom?’, ou para as que não tem filhos ‘não vai ter?’, ‘tá na hora de casar, precisa arrumar alguém’, esse tipo de coisa. Ou quando já tem filho, as pessoas perguntam quando vai ter o próximo”. comenta.

Jacquelline Jorge, 32, mãe de dois e estudante | Foto: Arquivo pessoal / CP

Juliana mora em Londres, na Inglaterra, com o marido André e dois gatos. Jacqueline mora na periferia de Porto Alegre, com marido e dois filhos. Apesar das diferenças, os questionamentos sobre a idade atravessam a trajetória das duas.

Para a psicóloga Priscila Sanches, essa é uma discussão que atinge somente as mulheres. “Os homens de trinta anos não se preocupam com temáticas como paternidade e casamento, por exemplo. Na minha experiência em consultório, vejo que as mulheres começam a se sentir pressionadas, socialmente falando, muito antes dos trinta”, exemplifica.

A especialista em Saúde Mental, Gênero e Sexualidade define estes conflitos como uma objetificação do sexo feminino. Para ela, uma vez que a mulher é colocada sob óticas limitantes e decisivas, está sendo resumida à utilidade para o patriarcado.

“Se eu sou mulher, eu sirvo para algo, especialmente para a função do cuidado, para a função reprodutiva e assim por diante. Seguindo essa lógica, somos um objeto e sendo objeto, temos prazo de validade”, reflete.

“Corrida pela juventude”

“Tenho sonhos adolescentes
Mas as costas doem
Sou jovem pra ser velha
E velha pra ser jovem
Tenho discos de 87 e de 2009
Sou jovem pra ser velha
E velha pra ser jovem”

Até os anos 1910, a faixa etária não era uma questão para o sexo feminino. Neste período, a base da vida das mulheres era o casamento, a reprodução e o cuidado com a casa.

De acordo com a historiadora Mary del Priore, especializada em História da Mulher, da Família e da Sexualidade, a partir dos anos 20, quando a mulher começa a se integrar no ambiente de trabalho e durante as décadas de industrialização do Brasil, conforme as capitais cresciam, o cenário muda.

“A partir da ascensão do Getúlio Vargas, que criou estatais e muitos empregos para as mulheres, escritórios e ministérios, elas encontraram na vida pública a possibilidade de mudar sua realidade econômica. É quando vão começar a prestar atenção na idade”, explica.

Segundo Priore, o “marcador da velhice” da mulher era a menopausa, indicador que se sustenta até hoje. Porém, junto com a ascensão dos estudos sobre envelhecimento das mulheres brasileiras, a indústria das cirurgias plásticas e dos cosméticos começam a acelerar o que a historiadora aponta como uma espécie de “corrida pela juventude”.

Mas, se por um lado, o envelhecimento passa a ganhar destaque, de outro, a juventude também vai recebendo novos conceitos. “A questão da faixa etária no Brasil começa a aparecer nos anos 20 e 30, na imprensa e na literatura, onde a palavra ‘jovem’ surge. Por exemplo, a Semana de Arte Moderna de São Paulo, em 1922, foi feita por jovens. Os intelectuais de São Paulo e do Nordeste, nomes como o de Gilberto Freire, todos sendo considerados nomes jovens.”

Além disso, a palavra começa a aparecer nas capas de revistas para falar sobre a “moça jovem”, aquela que passa a usar saias mais curtas, que não usa mais espartilho e que corta os cabelos curtos.

Agora, considerando os desdobramentos de tecnologia, saúde e nos novos costumes que a sociedade passou a adotar, a historiadora vê de forma questionadora os parâmetros da juventude feminina no Brasil. Para ela, é necessário olhar de maneira interseccional e entender o contexto das mulheres vistas como “jovem” e “velha”.

“Nas grandes capitais, uma mulher de 30 anos está em pleno esplendor da sua vida, trabalhando, se formando, está independente e cuidando da saúde. Ao mesmo tempo, tem zonas no Brasil onde a modernidade está com dificuldade de entrar, onde uma mulher que não se casou e não teve filhos é uma solteirona.”

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Maternidade e carreira

“O tempo falta
E me faz tanta falta
Preciso de um tempo maior
Que a vida que eu não tenho toda pela frente
E do tamanho do que a alma sente”

De acordo com a pesquisa de Registros Civis do IBGE, em 2022 aproximadamente 39% dos nascimentos no Brasil foram gerados por mães com 30 anos ou mais. Apesar do número expressivo, existem mulheres que não fazem parte desta estimativa e que não planejam a maternidade para os trinta ou para os anos seguintes.

Juliana Sonsin, por exemplo, até pensa em gestar, mas tem planos maiores e anteriores que gostaria de tirar do papel. A escritora se mudou há pouco mais de um ano para Londres, junto com o marido. Segundo ela, mesmo uma decisão tão importante como a imigração foi ignorada e substituída pela questão da maternidade.

“Quando eu me mudei para Londres, eu tinha acabado de fazer trinta e eu lembro que muitas pessoas, muitas mesmo, me fizeram a mesma pergunta: ‘nossa, mas você vai ter filho em Londres?’. Primeiro que ninguém me perguntou se eu queria ter filhos. Eu quero, mas e se eu não quisesse? E se eu não pudesse?”, questiona.

Já quando o assunto é carreira, as mulheres 30+ enfrentam dois desafios: ser reconhecida profissionalmente, apesar de ser mulher, e ascender na carreira, apesar de já ter trinta. Isso porque nos últimos anos o preconceito etário deixou de ser restrito às pessoas 40+.

Um levantamento feito pela Vagas.com, Colettivo e Talento Sênior em 2022, apontou que 24% dos trabalhadores de 30 a 39 anos já sofreram algum tipo de discriminação no trabalho. “No estágio, eu sou a estagiária mais velha, a que tem filhos, enquanto os outros são bem mais jovens e estão em outra fase da vida. Às vezes, eu me comparo profissionalmente com eles”, admite Jacquelline.

“A sociedade me lê como velha. Eu mudar de carreira aos trinta anos é absurdo, porque sou muito velha. Agora, se o homem faz isso, ele é empreendedor, visionário. Eu ter mudado de país aos trinta anos? Muito velha, devia ter feito isso quando era mais nova”, expressa Juliana.

A psicóloga Priscila Sanches diz que a questão profissional tende a aparecer mais como autocobrança. “Eu ouço elas dizerem com frequência que passaram da idade para alguma coisa. É como se elas estivessem sempre correndo contra o tempo. É um eterno sentimento de inadequação”, elucida Priscila.

A beleza e os conflitos das “balzaquianas”

“Já é quase meia-noite
Quase sexta-feira
E me falta tanto ainda”

A juventude das mulheres 30+ é um marco em suas próprias vidas e também na cultura. No campo literário, inclusive, elas ganharam um nome próprio: balzaquianas. O termo deriva do livro “A Mulher de Trinta Anos" (1842), do francês Honoré Balzac, mas também faz referência ao sobrenome do autor, cujo traço principal da escrita foi criar personagens femininas com trinta anos ou mais.

Apesar da origem europeia, foi no Brasil, nos anos 40, que a expressão ganhou caráter de adjetivo e passou a se referir como sinônimo para mulheres maduras. Nos anos 1950, a palavra já tinha apelo nas ruas, nas conversas e até mesmo nas marchinhas do carnaval carioca.

As balzaquianas da vida real, porém, reivindicam e lutam por coisas diferentes das mulheres fictícias do século XIX. “Quero cada vez mais utilizar a criatividade para os meus projetos, para o que eu desenvolvo. Me sentir confortável, em todos os aspectos, é minha grande meta. Isso nunca foi uma coisa fácil para nenhuma mulher, sempre estamos desconfortáveis”, confessa Juliana.

Para Jacquelline, os sonhos por dias mais leves também são seus propósitos. “No futuro, espero ter mais fé em mim mesma, nas coisas que eu faço. Espero estar bem comigo mesma, entender que eu estou no auge da vida, que eu não preciso viver com pressa. Espero ter a calmaria que eu não tenho agora.”

Do outro lado do globo, Juliana enxerga com beleza a fase dos 30, mesmo com as dificuldades. “Eu sinto que sou mais livre hoje. Apesar das pressões sociais, eu me aceito muito mais. Faço terapia há muitos anos e a busca pelo autoconhecimento é importante para mim, então, hoje, eu entendo os meus limites, sei colocar limites nas coisas. Tenho mais clareza daquilo que me faz bem e do que não faz”, diz Juliana.

Jacquelline acredita que a beleza para viver esta fase da vida está no autoconhecimento. “Hoje em dia, eu estou aprendendo a me reconhecer enquanto mulher, que tem suas vontades, que merece tirar um tempo pra si e um tempo de descanso. Me sinto mais leve porque sei que não preciso agradar todo mundo. Consigo ser mais autêntica e não tem nada melhor do que isso.”

*Sob supervisão de Camila Souza


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