Rural

Agroflorestas beneficiam o agricultor familiar

Sistema faz parte do Plano ABC+RS, combinando o plantio de árvores com culturas anuais, como os grãos, ou perenes, como frutíferas

O sistema agrícola florestal promove a integração entre atividades agrícolas na mesma área e ao mesmo tempo, e os benefícios são muitos
O sistema agrícola florestal promove a integração entre atividades agrícolas na mesma área e ao mesmo tempo, e os benefícios são muitos Foto : Tiago Bald / Emater/RS-Ascar / Divulgaççai / CP

A agricultura familiar tem em sua essência os princípios da diversidade e multiplicidade de cultivos e atividades. Neste ambiente, o Sistema Agrícola Florestal (SAF), também conhecido como agrofloresta, é considerado uma verdadeira bênção ao agricultor e agricultora familiares.

Afinal, integra uma ampla e diversa possibilidade de práticas de uso e manejo da terra que combinam, de forma programada e planejada, espécies agrícolas como grãos, frutas e hortaliças, ou mesmo bovinos, com as florestais, árvores nativas ou exóticas.
Modelos agropecuários produtivos que simplesmente reproduzem a diversidade dos ecossistemas naturais e, portanto, são ambientalmente sustentáveis, o que propicia ganhos ambientais, sociais e econômicos aos produtores, os SAFs promovem a biodiversidade ao combinar diferentes tipos de plantas e até animais. A pluralidade promove uma série de benefícios aos ambientes do campo, principalmente para a realidade de pequenos agricultores.

As árvores, pela altura, inclusive os arbustos, e as plantas menores, compartilham o mesmo ambiente, num aproveitamento maior e mesmo pleno de recursos naturais como luz, água e nutrientes.

Assim, o produtor usufrui a renda dos cultivos agrícolas anuais ou perenes e dos animais criados, da mesma forma como pode aproveitar os produtos arbóreos, desde a lenha até madeira para utilização na estrutura da propriedade ou na comercialização.

Os benefícios também se dão abaixo do solo, pois o modelo contribui para a recuperação de áreas degradadas, melhoria da fertilidade da terra para os cultivos, conservação da água e facilidade na sua penetração. Isso evita a erosão e cria reservas hídricas para épocas de estiagem.

Toda essa biodiversidade naturalmente proporciona economia no uso de insumos, como fertilizantes e defensivos agrícolas, visto que um ambiente de diversidade e equilíbrio foi estabelecido. Ou seja, a natureza funciona melhor e gera seus efeitos em sustentabilidade.

As parcerias entre atividades agropecuárias são as mais diversas e possíveis no universo do Rio Grande do Sul, dependendo da região ou microrregião, das aptidões e preferências dos agricultores e das demandas comerciais locais.

Um exemplo é o consórcio de árvores nativas ou madeireiras com espécies frutíferas como banana, juçara, videira, entre muitas outras, além de hortaliças. E ainda, gado de leite e de corte, animais que se desenvolvem muito melhor quando vivem à sombra das copas das árvores.

Entre as práticas mais comuns no Estado estão o plantio consorciado de frutíferas como banana, cacau e açaí com árvores nativas ou madeireiras; cultivos anuais em meio a plantas de erva-mate ou de citros como laranja e bergamota; a integração de hortaliças nos primeiros anos de cultivo; e a criação de animais em sistemas silvipastoris.

A diversidade das explorações agrícolas e pecuárias estabelecida nas condições gaúchas propicia múltiplas possibilidades para a prática dos sistemas agroflorestais.

Os maiores beneficiados pelos SAFs são os agricultores familiares que exploram as atividades, muitas vezes com acesso limitado a recursos, o que os deixam vulneráveis economicamente quando se dedicam a monoculturas.

Além disso, especialmente no Rio Grande do Sul, eles têm estado bastante suscetíveis aos problemas climáticos recorrentes, principalmente às estiagens. Ao explorar os SAFs, conseguem diversificar suas produções, reduzir consideravelmente os riscos econômicos e ampliar as oportunidades de geração de renda.

Enquanto culturas de ciclo curto, as anuais como os grãos, oferecem retorno financeiro mais rápido, as frutíferas e as madeireiras possibilitam ganhos no médio e longo prazo, proporcionando estabilidade financeira – uma verdadeira poupança para o agricultor.

E há retornos sociais diretos para as famílias agricultoras, que produzem uma maior diversidade de alimentos para consumo próprio. Na madeira, por exemplo, a ser utilizada para os mais diversos fins numa propriedade agrícola.

No Rio Grande do Sul, as práticas em torno dos sistemas agroflorestais são orientadas e incentivadas por organismos públicos, como secretarias estaduais e a Emater/RS-Ascar. Inclusive, o sistema agroflorestal é uma das tecnologias que integra o Plano ABC+ RS, que busca a prática da agropecuária de baixa emissão de carbono, plano que estabeleceu esforços e metas de política de Estado para promover os manejos conforme as aptidões das diferentes regiões agropecuárias gaúchas.

A Secretaria Estadual de Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi) coordena o Comitê Gestor dos SAFs, responsável por identificar os diferentes atores na prática agrícola e fazer com que seja fomentada nas regiões. Foi o comitê que estabeleceu a meta de 5 mil hectares integrados ao sistema agroflorestal até 2030. Não há hoje um número seguro sobre quantos hectares do sistema já estão sendo explorados nas terras do Rio Grande do Sul.

A Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), por sua vez, mantém um programa de certificação para os SAFs implantados. “É um incentivo para que os produtores possam manejar as áreas em sistemas agroflorestais nativos dentro da propriedade”, explica o engenheiro florestal e pesquisador Jackson Brilhante, coordenador do Plano ABC+RS na Seapi.

“Nesta prática, um dos principais componentes é o arbóreo. Os SAFs envolvem a interação entre culturas anuais e árvores”, descreve.

Quando implica na mitigação dos efeitos climáticos, a presença da árvore é fundamental pelo que oferece acima e abaixo do solo. De acordo com Brilhante, as árvores têm a particularidade de minimizar os eventos considerados extremos como os que ocorrem no Estado, às vezes com chuva e às vezes com longos períodos de déficit hídrico, nas estiagens “Ao mesmo tempo, a árvore, por ter um sistema radicular abundante, cria caminhos para que a água infiltre no solo”, argumenta.

Manejo integrado tem vantagem ambiental

Desde a minimização do calor e do frio, passando pela manutenção de pastagens e pela apicultura, agrofloresta é uma prática positiva

Jackson Brilhante, coordenador do Plano ABC + RS na Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi), diz que é preciso atentar aos benefícios ambientais em geral que os Sistemas Agroflorestais promovem. “O componente arbóreo é fundamental nas mudanças climáticas. Porque é ele que vai minimizar os impactos extremos. A árvore protege alguns cultivos do calor e do frio”, esclarece.

O pesquisador reitera que em condições de excesso de chuva, a infiltração de água é facilitada pela presença de raízes das árvores. Além disso, os SAFs propiciam melhor armazenamento de água no solo, de modo que, em épocas de seca, os cultivos sofrem menos comparados a sistemas convencionais.
Também são sistemas que aumentam o carbono no solo.

“O carbono faz com que consigamos melhor estruturar o solo, pois é responsável por unir as partículas, formando agregados, estruturas organizadas que permitem que a água se infiltre de maneira adequada”, detalha. “E ter mais carbono significa ter mais reserva de nutrientes. O ambiente fica menos dependente da adição de insumos e também é um ambiente mais ativo, com alta atividade biológica de microrganismos fundamentais para a melhoria da qualidade do solo”, completa.

Brilhante elenca alguns desafios na adoção e expansão dos SAFs. Um deles é a necessidade do produtor de conciliar duas ou três atividades na mesma área, pois ele normalmente é especialista em apenas uma ou duas. “É um sistema de produção mais complexo do que fazer apenas lavoura, floresta ou pecuária.

No sistema agroflorestal, você tem três atividades e isso demanda um certo cuidado no manejo, porque não é um manejo simples. Todos os sistemas acabam interagindo na mesma área”, explica.

A rede de assistência técnica da Emater/RS-Ascar, espalhada pelos 497 municípios do Rio Grande do Sul, trabalha com a multiplicidade dos SAFs. O engenheiro-florestal Antônio Leite de Borba, extensionista da instituição, menciona alguns dos principais modelos de SAFs implementados no Estado, nas regiões do Litoral, Vale do Caí, Machadinho, Pelotas, Canguçu, São Lourenço do Sul, Santa Maria, Frederico Westphalen e Pinheirinho do Vale (veja no quadro).

No caso do gado, de acordo com De Borba, os SAFs colaboram para a resiliência climática. “Talvez não com o nome de ‘resiliência climática’, mas se observa que a presença das árvores diminui a incidência de geadas, reduz a perda de água das pastagens por evapotranspiração nas épocas de seca, mantendo as pastagens mais vistosas”, conta.

Todas as regiões do Estado e os biomas Pampa e Mata Atlântica têm potencial para abrigar modelos de SAFs, com fruteiras exóticas como citros, e também as nativas, como butiá e araçá, junto a árvores nativas, ou parreirais.

No caso da uva, pode ser adotado o uso de estruturas de espaldeiras, feitas com mourões de aroeira-vermelha, que ainda auxiliam na adubação, pois os galhos podados servem como matéria orgânica no solo da videira. O mesmo ocorre com a erva-mate sombreada, adubada pelas folhas das árvores.

As abelhas também ganham muito com a pluralidade de espécies abrigadas pelos SAFs. “A apicultura é muito beneficiada pelos sistemas agroflorestais pela presença de árvores, plantas nativas e frutíferas, que aumentam a oferta de flores para as abelhas”, lembra De Borba.

O sistema promove ainda proveitos sociais, especialmente para a sucessão familiar. “Quando a atividade tem êxito, os filhos dos agricultores têm estímulo para permanecer na propriedade e manter o sistema de produção”, ressalta o extensionista.

De Borba acrescenta que a principal barreira a ser superada na implantação de um sistema agroflorestal é a resistência cultural do produtor.

“Ainda é um grande desafio trabalhar com agricultores e técnicos sobre a importância da árvore no sistema: oferecer sombreamento, conforto térmico, infiltração de água, armazenar água, reduzir evapotranspiração e acumular carbono no solo são práticas de agricultura de baixo carbono”, argumenta.

Os SAFs integram a Operação Terra Forte, iniciativa do governo do Estado recém lançada para recuperar e melhorar solos degradados de mais de 15 mil propriedades familiares. “Todos os sistemas de integração são fomentados pelo projeto, incluindo lavoura-pecuária, lavoura-pecuária-floresta e os sistemas agroflorestais.

A Emater promove políticas, dias de campo, oficinas, reuniões e palestras, mostrando exemplos para adoção por outros produtores”, menciona, acrescentando que há linhas de crédito para implantar o sistema, como o Pronaf ABC+.

Alguns modelos implantados no RS

Litoral Norte: integração bananeira com açaí juçara em áreas de Mata Atlântica.
Vale do Caí: mata nativa junto a citros, como laranja, limão e bergamota.
Machadinho: erva-mate sombreada pelas árvores nativas, proporcionando sabor mais suave ao produto, sem perda de produtividade.
Pelotas, Canguçu, São Lourenço do Sul: frutíferas nativas como butiá e araçá, assim como uva, produzidas sob sombra de árvores nativas e posteriormente processadas pelas indústrias locais.
Atividades silvipastoris: em Santa Maria, integração de agricultura com pecuária de corte; na região de Frederico Westphalen e em Pinheirinho do Vale, Noroeste do RS, árvores nativas protegem citros e pecuária de leite. As pastagens são protegidas das geadas e, na seca, diminuem a evapotranspiração, mantendo melhor qualidade das pastagens para o gado.

Áreas de APP e Reserva Legal são aptas ao uso

Produtores familiares podem explorar economicamente com sistemas agroflorestais zonas protegidas pelo Código Florestal brasileiro

E entre os demais retornos dos SAFs aos produtores está a possibilidade de explorar economicamente, de maneira legal, ambientes sagrados de Áreas de Proteção Permanente (APP) e Reserva Legal (RL), conforme o Código Florestal brasileiro. Por exemplo, nas margens de rios é necessário manter matas ciliares, mas é possível que o produtor explore o local com alguma atividade comercial. “Traz benefícios econômicos também em áreas que cumprem papel ambiental é importante”, menciona o extensionista da Emater/RS-Ascar Antônio Leite de Borba.
Outra vantagem é que a certificação agroflorestal da Secretaria do Meio Ambiente (Sema) permite manejo programado de até cinco anos sem necessidade de licenças ambientais específicas, incluindo poda e remoção de árvores para aumentar o espaçamento e favorecer a entrada de luz.

O produtor Silvio Roberto Daufenbach, de Mampituba, conhece na prática as vantagens do apoio legal para desenvolver e usufruir um SAF. Ele mora na divisa com Santa Catarina, e mantém uma propriedade também no estado vizinho, em Praia Grande.
O empreendimento sediado no Rio Grande do Sul tem registro na Sema como propriedade agroflorestal. “Isso é interessante, pois posso retirar o material que plantei”, revela.

“Por exemplo, se eu resolver cortar um açaí juçara, que ficou muito grande, difícil de colher o açaí, eu posso cortar. Um louro que plantei, posso cortar. Árvores nativas, e dentro da legislação tem bastante restrição, neste caso, como está dentro de um escopo da secretaria em relação à questão específica, que é o sistema agroflorestal em agricultura, é possível fazer isso”, relata.

Desta forma, ilustra o agricultor, a facilidade legal auxilia muito na prática da agricultura. “Em Santa Catarina é bem mais complicado e isso limita muito. O sistema agroflorestal não avança muito, e no Rio Grande do Sul tem esta vantagem. Os governantes tiveram essa sensibilidade de fazer uma legislação específica para os sistemas agroflorestais”, comenta.

Daufenbach trabalha com um sócio num sistema baseado no cultivo da banana, açaí juçara e citros, além de um apiário, em 20 hectares. “Tem árvores nativas, corredores de vegetação. Tem bem mais de 100 espécies frutíferas”, descreve.

A principal atividade econômica é a banana, pela existência de uma cadeia de comercialização na região muito bem estabelecida. Mas eles também exploram citros, abacate e uva, além do mel, comercializados na feira ou direto aos consumidores.

O trabalho tem a parceria dele e da esposa, Bernadete, do sócio, Luiz Carlos Carvalho Reos, além de outra família, que faz a colheita e comercialização da banana. “Este terreno tem uma história coletiva de nós, mais minha mulher e muitas outras pessoas. Foi adquirido no ano 2000 e era só uma monocultura de banana. Hoje é uma referência em agrobiodiversidade”, ressalta o empreendedor.

“A nossa preocupação é ter alternativas aos agricultores na questão das mudanças climáticas, de perspectiva para agricultura familiar que está cada vez mais restrita”, diz Daufenbach. “Hoje, por exemplo, os grãos estão completamente fora da agricultura familiar, que não domina mais estas cadeias”, entende.

O agricultor acredita que a agrofloresta entra em um contexto em que a produção familiar perde espaço para as modernizações da agricultura empresarial. “Paulatinamente, com todas estas modernizações, a revolução que ocorre na agricultura, a agricultura familiar tende a perder espaços e é essa a nossa perspectiva”.

Do tabaco para o Sistema Agroflorestal

O produtor Teodoro Wille Sobrinho e a esposa, Núbia, estão na segunda tentativa de implantação de sistemas agroflorestais em Canguçu, ao sul do Estado. Na primeira, muitas espécies não se adaptaram ao clima, em especial diante do frio no inverno e de estiagens no verão, inclusive com morte de plantas pela geada, como a goiaba, e árvores nativas. “Aqui é muito baixo, muito frio quando dá geada é muito forte”, conta.

Agora, a diversidade de cultivos é muito maior. “Depois que a gente parou com o tabaco, diversificamos mais a propriedade. Produzimos hortifrútis, morango, tomate, pimentão, berinjela, couve-flor, beterraba e açafrão, inclusive com a certificação OCS”, relata.

A OCS, ou Organização de Controle Social, é voltada exclusivamente a agricultores familiares que vendem seus produtos diretamente ao consumidor final, sem necessidade de uso de selo formal de certificação.

“Entre os benefícios esta o fato de a gente não precisar mexer com a terra todos os anos e conseguir produzir uma diversidade de produtos numa mesma área, como frutas e até lenha para consumo da propriedade, como eucalipto e acácias, e as frutíferas em geral e leite”, destaca. “É uma maneira de ter uma produção mais sustentável e ecologicamente correta”. Os produtos da propriedade de oito hectares são comercializados em feiras virtuais.

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