Uso da robótica no meio rural enfrenta limitações
Professor do Departamento de Engenharia de Biossistemas da Escola Superior de Agricultura da Universidade de São Paulo (Esalq/USP) diz que robôs serão necessários ao setor, mas ressalta problemas estruturais para seu avanço

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Nem o frio cortante nem o vento que sopra no Sul do país, neste inverno, ou o calor escaldante do verão são empecilhos para os novatos trabalhadores das lavouras. Ainda longe de serem protagonistas em quantidade, aos poucos, os robôs agrícolas que atuam com autonomia estão deixando de ser soluções idealizadas como futuristas. Embora em número modesto, eles já estão em utilização no campo, no Brasil e no Rio Grande do Sul. Podem monitorar plantas daninhas, aplicar herbicidas com precisão cirúrgica e até eliminar insetos sem a interferência humana.
Mais que tendência, trata-se de uma necessidade urgente do setor. É o que avalia o doutor e professor do Departamento de Engenharia de Biossistemas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), Roberto Fray. Para ele, o aumento da demanda global por alimentos, as condições climáticas mais hostis para o plantio e a colheita e o êxodo rural são algumas das razões que tornarão os robôs agrícolas indispensáveis. Conforme Fray, o avanço dos robôs com autonomia no campo (não necessariamente humanoides) dá os primeiros passos para deixar de ser uma cena de ficção científica e tornar-se uma solução prática.
“Precisamos aumentar a produtividade pois alguns levantamentos apontam alta de 50% no consumo de calorias até 2050 (no mundo). Por outro lado, não temos área para expandir e as disponíveis atualmente teriam que ser desmatadas e isso é algo que não gostaríamos”, comenta.
Ao mesmo tempo, destaca o professor, o clima não vai ajudar e áreas que hoje são muito produtivas terão problemas de seca, geada ou excesso de chuva, o que deve impactar todo o país. Ele observa, ainda, que vai faltar mão de obra no campo devido ao êxodo rural das últimas décadas. Para Fray, nesse contexto, qualquer tecnologia que facilite automatizar tarefas tem grande potencial, seja a automação clássica de irrigação, por exemplo, ou robótica.
O professor antecipa que parte da mão de obra terá que ser realocada mas que isso deve ocorrer de forma distinta na agricultura, em comparação com a indústria, justamente pelo fato de que cada vez há menos trabalhadores interessados em trabalhar no campo. “Ganham pouco e são trabalhos bem intensivos e de horas em pé”, detalhou sobre as condições laborais no meio rural. O acadêmico pontua que os robôs não substituirão tecnologias já existentes e, provavelmente, devem atuar lado a lado com tratores e outros implementos de uso comum na agropecuária que demandam a presença de trabalhadores humanos.
Além disso, o custo de soluções robóticas é alto e está mais ao alcance de empreendedores rurais de grande porte. O professor Fray reconhece que por um bom tempo este tipo de tecnologia ficará distante da agricultura familiar. Segundo ele, o segmento primeiramente fará uso de sensores e computadores mais baratos que ajudarão na tomada de decisão em suas áreas menores em tamanho e complexidade operacional.
“Depois que tiver conectividade no campo e essas tecnologias mais básicas, acredito que haverá empresas que vão produzir robôs de mais baixo custo para alguns tipos de atividades que são extremamente repetitivas. Mesmo entre pequenos produtores existe um mercado para isso”, afirmou.
Dois exemplos de tecnologias de ponta já utilizadas nas propriedades familiares são o drone e os robôs de ordenha leiteira.
Diante deste cenário, o professor salienta que a tecnologia dos robôs autônomos, de baixo custo ou não, também necessitam de uma série de serviços de suporte que devem ser estabelecidos, como a reposição de peças e rede de assistência técnica. “Não são pontos negativos mas fatos”, disse, citando a estrutura que já se dispõe na Austrália, Estados Unidos e alguns países da Europa.
Fray comentou ainda que a automação pode gerar desigualdades entre os setores agropecuários, uma vez que algumas atividades despertam mais interesse das empresas desenvolvedoras. “Tem bastante (opções) para hortaliças e commodities, mas poucas para o ramo florestal e a produção animal. Então, pode vir a acontecer de algumas áreas ficarem muito mais tecnificadas e outras não. Isso já acontece hoje em algumas culturas. As máquinas para soja são muito melhores em termos de rendimento e desempenho operacional do que as para a cana-de-açúcar”, comparou. Outra preocupação é com a dependência de empresas estrangeiras que comercializarem seus produtos no Brasil e depois se retirarem do mercado.
“Isso eu considero bastante sério”, disse.
O presidente da Câmara Setorial de Máquinas e Implementos Agrícolas da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos, Pedro Estevão Bastos, destaca que o país passa por uma fase de adoção de máquinas com inteligência artificial embarcada, que tomam decisões, mas o uso de robótica mais avançada (humanóides) permanece restrito a pesquisas empresariais, protótipos e iniciativas pontuais.
Bastos admite, porém que a falta de mão de obra no Brasil, em todos os setores, pode ser resolvida com a inserção futura dos robôs. “Não só na agricultura. Na indústria de máquinas agrícolas há uma falta crônica e a robótica está sendo adotada, por exemplo, para soldagem”, concluiu.