Leandro Boldrini, Graciele, Edelvânia e Evandro são condenados pela morte de Bernardo
Após cinco dias de julgamento, leitura da sentença ocorreu no começo da noite desta sexta-feira
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Sexta-feira, 15 de março de 2019. Quase cinco anos após a morte de Bernardo Uglione Boldrini, a justiça proferiu a sentença: Leandro Boldrini, pai de Bernardo; Graciele Ugulini, a madrasta; a assistente social Edelvânia Wirganovicz e seu irmão Evandro foram condenados pelo Conselho de Sentença.
Leandro Boldrini foi condenado por homicídio quadruplamente qualificado (motivo torpe, fútil, dissimulação e emprego de veneno), além dos crimes de ocultação de cadáver e falsidade ideológica. A madrasta Graciele Ugulini foi condenada por homicídio de motivo torpe, fútil, emprego de veneno, dissimulação e ocultação de cadáver. Edelvânia Wirganovicz foi condenada por homicídio qualificado e ocultação de cadáver. Evandro foi condenado a 9 anos e seis meses de prisão, sendo 8 anos por homicídio simples e 1 ano e 6 meses por ocultação de cadáver. Preso desde maio de 2014, ele irá cumprir o restante da pena em regime semiaberto.
Leandro foi sentenciado a um total de 33 anos e 8 meses de reclusão, em regime fechado. São 30 anos e 8 meses por homicídio, 2 anos por ocultação de cadáver e 1 ano por falsidade ideológica. A juíza citou a existência de personalidade dissonante, perversidade e a premeditação do crime.
Graciele foi sentenciada a 34 anos e 7 meses de prisão em regime fechado, sendo: 32 anos e 8 meses por homicídio e 1 ano e 11 meses por ocultação de cadáver. Foi relatada a frieza emocional, insensibilidade e dissimulação da madrasta de Bernardo e a confissão da ocultação de cadáver.
Edelvânia Wirganovicz foi condenada a 22 anos e dez meses de reclusão, inicialmente em regime fechado. Destes, 21 anos e 4 meses pelo homicídio e 1 ano e 6 meses por ocultação de cadáver. Ela também estava presa desde 2014.
Cada um dos sete jurados respondeu a nove quesitos para cada um dos réus. A sentença foi lida pela juíza Sucilene Engler Werle. Dentro do fórum lotado o clima era tenso. Todos ouviram atentamente a leitura. Do lado de fora, um grande número de pessoas aguardava o resultado do julgamento.
Desaparecimento e morte
Desaparecido em 4 de abril de 2014 em Três Passos, Bernardo Uglione Boldrini, de 11 anos, foi encontrado morto dez dias depois no interior de Frederico Westphalen, a cerca de 80 quilômetros de distância. O corpo estava dentro de um saco plástico, enterrado em um matagal às margens de um riacho. No dia seguinte, a Polícia prendeu Graciele, Boldrini e Edelvânia. Evandro foi preso em maio, após investigações que apontaram que ele ajudou a fazer a cova.
A causa da morte do menino teria sido a superdosagem do Midazolam, medicamento presente no estômago, no rim e no fígado da vítima, de acordo com laudos periciais.
• Bernardo teria sofrido negligência do pai e madrasta
Bernardo foi morto em 2014 | Foto: Tarsila Pereira / CP Memória
O julgamento
Dia 1 – A versão da polícia
A movimentação começou intensa em frente ao Fórum de Três Passos, para a sessão de julgamento do Caso Bernardo. Houve o reforço policial, para evitar possíveis manifestações. A chegada dos quatro réus foi um dos momentos mais aguardados. Eles chegaram separados, escoltados.
Do lado de dentro do Fórum, o primeiro ato foi a formação do Conselho de Sentença, o que demorou parte da manhã. Essa era uma das etapas principais para que o julgamento tivesse início. Tratou-se de um sorteio entre 50 pessoas (25 titulares e 25 suplentes) da comarca de Três Passos que foram convocados no dia 12 de fevereiro, em que foram selecionadas sete pessoas.
Em seguida, teve início os depoimentos. Ao longo do dia, falaram as duas delegadas que estiveram envolvidas na investigação do caso: Caroline Bamberg e Cristiane Moura.
O primeiro depoimento foi o da delegada Caroline Bamberg e durou mais de quatro horas. Inicialmente ela relatou cronologicamente as investigações a partir do desaparecimento do menino. “Percebia-se claramente que havia envolvimento do Leandro, Graciele e Edelvânia”, afirmou. Comentou as contradições nos depoimentos prestados pelo pai e a madrasta na delegacia: “Quando comunicamos o Leandro Boldrini sobre a morte do filho, a única preocupação dele era reivindicar que fossem apresentadas as provas. Não esboçou outra reação”. Ao mesmo tempo, os advogados de defesa tentaram desconstruir os argumentos da delegada.
O depoimento da delegada Cristiane Moura, que participou das investigações, foi muito semelhante ao de Caroline, porém mais direcionado aos depoimentos de Edelvânia, colhidos por ela. Em sua fala, ela também falou sobre a carência de afeto que Bernardo tinha. As defesas, por sua vez, questionaram a testemunha com o intuito de desqualificar as provas do inquérito.
Dia 2 - A história de Bernardo
A rotina de Bernardo e como vivia o menino marcou o segundo dia de julgamento, a partir do depoimento da empresária de Três Passos, Juçara Petry. Ela, que costumava cuidar do menino e acolhê-lo em sua casa, contou que era chamada de mãe por ele e chegou a chorar quando lembrou da necessidade que a vítima tinha por carinho e atenção. A testemunha pediu para prestar o depoimento sem a presença dos réus, que precisaram deixar a sala do julgamento.
No início do seu depoimento, Juçara Petry relatou como era a rotina com Bernardo, em resposta ao questionamento da juíza Sucilene Engler. Ela disse que o menino chegava a passar várias noites em sua casa, principalmente aos finais de semana. “Tinha que dar banho nele, cortar unha”, comentou. Contou também que, em diversas oportunidades, tentou conversar com Graciele Ugulini, madrasta do menino, sobre falta de cuidados com que ele se encontrava.
“Ele não gostava da Kelly (apelido de Graciele), só que o Boldrini (Leandro, pai da vítima) via e não fazia nada”, afirmou a testemunha. Ainda falou que, se Bernardo não se interessasse pela ida a Frederico Westphalen, não iria com Graciele. Uma das qualificadoras do crime de homicídio apontada aos réus pela acusação é a dissimulação, porque o menino teria sido levado para o local de sua execução com a justificativa de que realizaria atividade de seu agrado. No mesmo dia, houve o depoimento da psicóloga de Bernardo Boldrini, Ariane Schmitt, que também relatou a carência do menino.
Já o outro depoimento foi da ex-secretária da clínica do médico, Andressa Wagner. Na sua manifestação, ela se contradisse algumas vezes quando questionada pelo Ministério Público (MP) sobre a assinatura do ex-chefe, que supostamente estava na receita do Midazolam, medicamento que, conforme a perícia, foi utilizado em superdosagem na execução do menino. Outras testemunhas também falaram durante o segundo dia de julgamento.
Dia 3 – A versão do pai
A expectativa em torno da fala do pai de Bernardo, Leandro Boldrini, marcou o terceiro dia do julgamento. Aos jurados, ele contou a sua versão dos fatos. Durante mais de três horas e meia, ele falou sempre de frente para os jurados e disse que não mandou matar Bernardo. “Foi a Graciele (Ugulini, madrasta) e a Edelvânia (Wirganovicz, amiga de Graciele) que mataram meu filho.”
“Quando tirarem essas algemas de mim, a primeira coisa que eu vou fazer é ir até Santa Maria e rezar onde está enterrado meu filho”, declarou Leandro Boldrini. O réu também variou suas reações, por vezes respondendo lentamente aos questionamentos e em outras inclusive levantando para demonstrar algumas situações. Em uma delas, narrou a situação em que, após ser preso, Graciele teria lhe admitido ser responsável pela morte de Bernardo. Declarando-se inocente, ele disse aos promotores que tomou conhecimento de que o filho havia morrido somente no dia 14 de abril de 2014, quando o corpo foi encontrado.
Antes da sua fala, houve ainda o depoimento das últimas testemunhas. Ao todo, foram 11 manifestações. Inicialmente seriam 18, mas sete foram dispensadas ao longo da semana pelos advogados.
Dia 4 – A versão da madrasta e dos outros réus
O quarto dia de julgamento foi marcado por um dos depoimentos mais aguardados: o da madrasta de Bernardo, Graciele Ugulini. Em pouco menos de duas horas, ela relatou como era o relacionamento com o menino e, chorando praticamente todo o tempo, ela alegou que a morte dele foi um acidente.
Graciele também inocentou o pai de Bernardo, Leandro Boldrini, como já era esperado. Além disso, amenizou o envolvimento da amiga Edelvânia Wirganovicz, dizendo que ela pediu para levá-lo a um hospital, e afirmou ter conhecido o irmão dela, Evandro, apenas essa semana, durante o julgamento.
Depois dela foi a vez de Edelvânia contar a sua versão. Sua manifestação foi mais curta porque ela passou mal, interrompendo a sessão. Antes disso, Edelvânia contrariou algumas falas de Graciele. Disse ainda que foi coagida pela Polícia Civil. “A delegada me coagiu. Ela só deixou a arma em cima da mesa e botou a câmera para filmar”, disse. Edelvânia relatou que Graciele disse não se dar bem com Bernardo. Em outro momento de sua fala, ela absolveu o irmão, Evandro, de qualquer envolvimento com o crime.
Na parte da tarde, foi a vez dos debates. Por quatro horas, os integrantes da acusação puderam fazer a sua explanação, em que pediram a condenação máxima dos quatro réus. O mesmo tempo foi concedido para os advogados dos quatro réus, que se dividiram em meia hora para cada. Por opção da juíza, a sessão avançou até a meia noite.
Dia 5 – Últimos debates e as sentenças
O último dia do julgamento começou às 10h, pouco depois do horário dos outros dias. Foram concedidas duas horas para os integrantes do Ministério Público se manifestarem, reafirmando os envolvimentos dos acusados no crime. A acusação, durante o período de tréplica, apostou na transmissão de áudios e depoimentos. Os elementos foram usados por promotores para reforçar o pedido de condenação dos quatro réus.
Já a defesa optou por diferentes ações para apresentar os seus clientes. Emocionados e, em alguns momentos, exaltados, os advogados contestaram a versão da acusação. A defesa de Leandro Boldrini, Rodrigo Vares, defendeu a inocência do seu cliente, e disse que ele foi culpado “pela premissa de ser um mau pai”.
O advogado de Graciele Ugulini, Vanderlei Pompeo de Mattos, disse que a morte de Bernardo tratou-se de um homicídio culposo. Gustavo Nagelstein e Jean Severo, advogados de Edelvânia Wirganovicz, falaram na sequência e que a sua cliente deveria ser condenada pelo crime de ocultação de cadáver, mas absolvida do homicídio. Luiz Geraldo Gomes, advogado de Evandro Wirganovicz, negou o envolvimento do cliente.
Reportagem: Henrique Massaro
Edição: Mauren Xavier